Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é celebrado neste domingo (21) com atividade no Parque Pedra de Xangô

Neste domingo (21), é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Para destacar a data, uma atividade será realizada no Parque Pedra de Xangô, a partir das 9h, com um grande Xirê e ritual de plantio de baobá ao som do Afoxé Omorobá e do Samba das Obás. O evento, organizado por Mãe Diala, do Ilê Asè Baba Ulufan Alá, e Pai Josias do Ilê Asè Obá Paleomon, contará com a presença das Matriarcas da Pedra de Xangô.

A Pedra de Xangô é um sítio natural sagrado afro-brasileiro, sede de uma Área de Proteção Ambiental e patrimônio cultural reconhecido pela Fundação Gregório de Mattos – FGM e patrimônio geológico de relevância nacional reconhecido pelo Serviço Geológico do Brasil – CPRM. O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é uma homenagem a Mãe Gilda de Ogum, do Ilê Axé Abassá de Ogum, localizado no Abaeté, que faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, há 24 anos, em decorrência de problemas de saúde oriundos de agressões morais frutos da intolerância religiosa.

A advogada, mestra e doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Maria Alice Pereira da Silva, é autora do livro “Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro”, que compôs o dossiê de tombamento da pedra enquanto laudo etnográfico. Ela lembra que, lamentavelmente, o espaço, como o primeiro no Brasil a ostentar o nome de um Orixá, tem sido alvo de diversos atos de racismo religioso e intolerância religiosa.

“Dia 21 de janeiro não é dia de comemoração, mas de reflexão e mobilização pelo fortalecimento da luta contra o racismo religioso e intolerância religiosa. A Pedra de Xangô é um centro de convergência de diversos rituais privados, semipúblicos e públicos de uma gama de comunidades de terreiros que se comunicam e se conectam em rede. É, ainda, o lugar e a linha em que é tecida a teia dos terreiros de Salvador, tornando-se encruzilhada religiosa, comunitária e política do Povo de Terreiro da Cidade”, reforça a advogada.

Em Salvador, a Secretaria Municipal de Reparação (Semur) conta com uma série de ações que beneficiam religiões de matriz africana na cidade, em parceria com a sociedade civil através do Conselho Municipal das Comunidades Negras (CMCN).

Lembrança – O coordenador de Ações Transversais da Semur, Eurico Alcântara, é pai de santo do Terreiro Aloyá, também no Abaeté, e conviveu com Yá Gilda. “Relembrar esta data para mim que conheci e convivi com a Yá Gilda, é fazer uma viagem não só ao ano 2000, quando tudo aconteceu, mas há anos 70, quando a conheci. Ela é lembrada não só dia 21, mas todos os dias, pois passo sempre pelo busto e vivo isso todo dia. Quando hoje vemos que o ódio religioso ainda é instigado por alguém, assusta”, disse.

Alcântara conta que, como sacerdote de matriz africana, a intolerância é sentida na pele todos os dias. “As ações da Semur estão mudando isso, nós estamos trabalhando isso, mas ainda percebemos em alguns setores o quanto a gente ainda é discriminado, e isso machuca. É importante estar todo dia fazendo esse trabalho, a Prefeitura tem feito isso, quando nos permite ter o PCRI, quando traz o Conselho Municipal de Comunidades Negras (CMCN) e essa pluralidade diversa. Para nós, o 21 de janeiro é todos os dias”, salientou.

“As pessoas precisam saber que a luta é todos os dias. A intolerância fere e mata. Se tem uma coisa que é devastadora na vida de um ser humano é a intolerância, principalmente religiosa”, afirma o coordenador. “Nós lutamos em prol da mulher, pelos orixás, inquisses, voduns, pelos encantados, e pela pessoa humana que são as ialorixás, as mulheres de maneira geral, e os homens”, concluiu.

Data significativa – Para o presidente do Conselho Municipal das Comunidades Negras (CMCN), vinculado à Secretaria Municipal da Reparação (Semur), Evilásio Bouças, embora a data seja referência devido a um ato que vitimou Yá Gilda, “se criar um dia específico para se discutir, para se fazer manifestações e chamar atenção da população, mostra que precisamos estar a todo instante chamando a atenção, através dessas ações, com caminhadas, dias específicos, para que a gente consiga conscientizar o ser humano da necessidade do respeito ao outro. Essa data é muito significativa para nós, que estamos nesses espaços, trabalhando para a eliminação do racismo, da intolerância e demais formas de preconceito, por uma sociedade mais justa e igualitária”.

Ele destaca a importância do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. “A data não é uma comemoração, mas um dia para chamar atenção para que se busque ações, políticas públicas, conscientização das pessoas sobre esse tema que é tão doloroso. A gente precisa respeitar o outro, a diferença, a orientação religiosa, o que o outro acredita como importante para você”, finalizou Bouças.

Racismo institucional – Na Semur, há uma série de iniciativas voltadas para combater a intolerância. O carro-chefe do órgão é o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), que vem trabalhando a relação internamente nas secretarias.

Hoje, além do PCRI, a Semur atua com o cadastramento de terreiros, que é considerada uma ação efetiva, com o reordenamento e credenciamento com seus nomes oriundos da sua natureza e não fictícios para ocultar sua crença. Além do cadastramento, é feito um mapeamento com georreferenciamento dos terreiros em parceria com a Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF) e a Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz), que garante isenção fiscal para vários desses espaços religiosos na cidade.

Neste período de Carnaval, é instituído o Observatório da Discriminação Racial, que funciona coletando denúncias, dando apoio institucional e auxiliando no encaminhamento da vítima ao Ministério Público ou Defensoria Pública.

Outro ponto positivo é o Selo da Diversidade Étnico-Racial, onde são desenvolvidas ações de equidade racial e sensibilização das instituições. Ao final do período de avaliação, as empresas recebem uma certificação, que é renovada anualmente e pode vir a ser cancelada se houver descumprimento das diretrizes. Além disso, já está em vigor o Estatuto da Igualdade Racial, regulamentado em novembro de 2021, com ações já colocadas em prática pela Semur.

Em 2023, foi sancionada a Lei 14.532, que equipara a injúria racial ao crime de racismo e protege a liberdade religiosa, com pena de dois a cinco anos para quem obstar, impedir, ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. A pena será aumentada a metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, além de pagamento de multa.

Conselho – O Conselho Municipal da Comunidade Negra (CMCN) é composto por representantes da sociedade civil. O presidente Evilásio Bouças destaca a presença de representações que acompanham as políticas públicas desde 2004. Além de acompanhar as ocorrências recebidas na secretaria, também atua como um ouvidor social. Graças a isso, hoje diversas ruas no entorno dos terreiros receberam requalificação asfáltica, nova iluminação, além de participar das ações da Prefeitura no âmbito interno.

A atuação do conselho também é importante no combate ao preconceito. Bouças confessa que sente mudanças no combate à intolerância em Salvador, mesmo que mínimas, mas que os debates inter-religiosos, as ações do Ministério Público e a divulgação na mídia ajudam no enfrentamento. E os pedidos de auxílio aumentaram, principalmente “devido ao entendimento equivocado de ‘livre arbítrio e liberdade de expressão’ e do conservadorismo exacerbado”. As vítimas entram em contato com o CMCN através de telefone ou e-mail e, a partir daí, é feito todo o encaminhamento necessário.

Hortas de Folhas Sagradas – Ainda em parceria com a Prefeitura, uma iniciativa conjunta com a Secretaria de Sustentabilidade e Resiliência (Secis) também tornou possível um estudo de viabilidade técnica para criação de hortas nos terreiros. Nos espaços religiosos, deve ser feito o plantio de mudas específicas e que são comumente utilizadas nos cultos e rituais das religiões de matriz africana.

Entre hortaliças para consumo gastronômico e folhas utilizadas em cultos de religiões de matriz africana, as mudas disponíveis no plantio incluem manjericão, alfazema, alecrim, lavanda e hortelã. Até o final do primeiro semestre deste ano, outras três hortas sagradas devem ser entregues em terreiros da cidade. Foto: Jefferson Peixoto/ Secom

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