Joana Angélica: freira vítima da tirania portuguesa foi estopim para o despertar do 2 de Julho

Heroína improvável, a abadessa Joana Angélica de Jesus perdeu sua vida aos 60 anos de idade ao tentar impedir, no dia 19 de fevereiro de 1822, que soldados portugueses invadissem o Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, em Salvador. Por ter ocorrido dentro de um território religioso e contra uma mulher indefesa, o crime chocou a capital baiana e despertou todo um movimento de insatisfação que culminaria, dali a um ano e meio, na consolidação da Independência do Brasil em solo baiano.

A morte dela fez os baianos dizerem “chega”! A importância da mártir Joana Angélica para a independência: ouça o 2º episódio do podcast especial Quem Fez o 2 de Julho

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Dos pontos considerados vitais para a virada de chave da resistência dos baianos contra a força militar portuguesa, até então hegemônica na província naquele início de 1822, o assassinato da sóror Joana Angélica foi o passo sem retorno, o estopim da revolta. Uma virada de chave que mexeu com o brio dos baianos, que partiram para a guerra.

De acordo com o historiador Rafael Dantas, naquele contexto dos anos de 1821 e 1822, diversas turbulências brotaram das imposições de Portugal à Bahia que, aos poucos, tentava rebaixar a autonomia que o Brasil conquistou ao longo do Século XIX, principalmente a partir da chegada da família real, em 1808, e ainda mais quando, em 1815, o Brasil virou reino unido a Portugal. Por conta disso, para as cortes portuguesas, era inconcebível perder o domínio na Bahia.

O historiador explica que é justamente nesse processo que soldados representando Portugal começam a procurar na cidade de Salvador pessoas que representassem uma ameaça à ordem portuguesa. “E nesse contexto acabam invadindo o Convento da Lapa, que era uma das construções mais importantes da cidade. Eles adentraram esse espaço do convento, passaram pela porta de entrada, pela morada além dos arcos, quando a própria abadessa impede a entrada dos soldados que queriam invadir o claustro em busca de supostas pessoas escondidas”, diz.

É nesse episódio que Joana Angélica é morta, golpeada por uma baioneta – uma espécie de lança com uma faca na frente da arma -, e acaba morrendo no dia seguinte. Então, ela se torna uma heroína por defender os seus ideais religiosos e por ser representante daquele convento, sendo adotada pelas forças contrárias ao jugo português como a primeira mártir daquela insurreição.

Antes do martírio – Joana Angélica era mais uma mulher naquele contexto do início do Século XIX, onde o papel feminino era delimitado pelos padrões do período. A freira vinha de uma família tradicional, onde as mulheres eram educadas e criadas para ficar em casa e casar, ou destinadas a ter uma vida religiosa. Tanto no Recôncavo, em cidades como Cachoeira, Santo Amaro, como na cidade do Salvador, havia conventos que eram símbolos desse período e costumes, a exemplo do próprio Convento da Lapa e de Santa Clara do Desterro, em Nazaré.

Joana nasceu em dezembro de 1761 e, antes da maioridade, acabou indo para o Convento da Lapa, onde iniciou uma carreira ligada à vida religiosa, até entrar para história como a abadessa que enfrentou o exército português. Após fevereiro de 1822, quando acontece o ataque, ocorre a perpetuação da memória de Joana Angélica.

“O que representa a morte de uma religiosa em 1822? Mostra que os portugueses estavam dispostos a tudo. O que tinha de espaço mais sagrado em Salvador naquele contexto eram as igrejas e os conventos. Pense, se o general autorizou a entrada de soldados em um convento, onde homens não entram, imagine o que pode fazer em outras casas da cidade. Então, quando a notícia da morte se alastrou para além dos muros da Lapa, a cidade entrou em crise, o pânico se instalou, e todos ficaram preocupados, pensando que poderiam também serem vitimados ou terem suas casas invadidas como naquele episódio no Convento da Lapa”, justifica o professor Rafael Dantas.

Repercussão – Nessa mesma semana, muitas famílias deixam Salvador rumo ao Recôncavo, o que era muito comum e possível naquele contexto, devido ao cenário açucareiro, então principal produto de exportação ao lado do fumo. “Não podemos esquecer que estamos falando de uma sociedade do Século XIX, em que muitas famílias que tinham suas casas aqui iam para o Recôncavo, para os seus engenhos, para suas casas de campo e ficavam lá. Isso valia também para quem tinha família no interior, e acabava saindo de Salvador por conta desse medo do que poderia acontecer”, conta o historiador.

“Isso vai se tornar cada vez mais latente, e quando observamos a escalada dos próximos meses de 1822, onde houve o acirramento das disputas entre baianos e portugueses, especialmente quando a cidade de Cachoeira, no dia 25 de junho, realiza o ato ousado e protagonista de aclamar Pedro I como defensor perpétuo do Brasil. Isso acaba acirrando as tensões iniciadas com a morte de Joana Angélica”, emenda Rafael Dantas.

A morte de Joana Angélica, portanto, iniciou esse repertório de acontecimentos importantíssimos para a compreensão do processo de Independência. Casos que não são isolados, mas um encadeamento de ações que motivaria, naquele período, a adesão de voluntários do Recôncavo, de Salvador e do sertão, por exemplo.

“O que despertou a independência na Bahia não foi o feito de um bravo soldado, nem de um homem da elite baiana. Foi, na verdade, o martírio de uma religiosa, uma mulher que não necessariamente faria parte de uma história tradicional daquele período. Ela se destacou nesse momento, enfrentando os soldados portugueses”, destaca o historiador.

Panteão – Dantas explica que a Bahia foi responsável por destinar ao Brasil uma série de heróis que vão além do conjunto de personagens tradicionais brasileiros, como imperadores e generais. A partir do 2 de Julho, o Brasil passou a contar também com heroínas, mulheres como Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Felipa que, por sua vez, despertam novos interesses, principalmente nas últimas décadas, ressaltando a importância e o protagonismo das mulheres na historiografia brasileira, em especial pelo número incontável de mulheres que participaram do processo de Independência, e que ainda continuam anônimas.

“Joana Angélica e as demais heroínas representam outros tantos agentes que começaram a ser revelados e que também traduzem o que significa a Independência do Brasil na Bahia. Por isso, falar da Independência é destacar especialmente a participação e a manifestação das pessoas comuns porque, para além de ser um movimento que causava a insatisfação por parte das elites econômicas e sociais políticas da Bahia contrárias aos portugueses, temos algo que despertou na população a ânsia por liberdade, melhorias e por uma mudança no quadro social baiano daquele contexto. E é justamente aí que entra o povo nesse processo. E a morte de Joana Angélica inaugura esse repertório de agentes e personagens que são importantes para ilustrar todo o contexto do Século XIX, onde a Bahia foi protagonista nas guerras pela Independência”, disse.

Simbolismo – Entre 1822 e 1823, outros tantos baianos habitantes de Cachoeira, Santo Amaro, do sertão e arredores de Salvador foram penalizados pelos atos de guerra. Neste período, ocorreram diversas mortes durante o processo de insurreição. O assassinato de Joana Angélica, a atuação de Maria Quitéria e a provável ação de Maria Felipa evidenciam a participação de personagens anônimos, não evidenciados ou silenciados ao longo do tempo, e que retratam a participação popular na cidade de Salvador e nos outros lugares que também foram cenários do conflito.

“Se em um convento aconteceu essa tragédia, imagine nas matas que rodeavam Salvador nessa época. Tomemos como exemplo as mortes que aconteceram na Batalha de Pirajá, no final de 1822, que até hoje não têm um número que seja consenso, ou sequer uma estimativa de mortes. Mas, é certo que muitas pessoas morreram nesse momento, ou nas semanas e meses subsequentes”, explica Dantas.

Memória – Em 1923, na comemoração dos 100 anos da Independência do Brasil na Bahia, a via que liga a região da Piedade ao bairro de Nazaré, passou a se chamar Avenida Joana Angélica.

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