Pavilhão da Lapinha é o lar dos Caboclos desde 1918; até então, imagens eram guardadas no Pelourinho

Até 1860, as esculturas do Caboclo e da Cabocla, principais símbolos do cortejo do 2 de Julho, ficavam guardadas em um barracão no Terreiro de Jesus, no Pelourinho. As carruagens dos Caboclos, portanto, tinham que ser levadas do Pelourinho à Lapinha para que de lá fizessem o percurso novamente, mas no sentido inverso.

Foi então que, após um período de baixa participação popular nos festejos da Independência, a Sociedade Patriótica 2 de Julho, integrada em sua maioria por pessoas ligadas às atividades comerciais e a alguns veteranos de guerra, lançou uma campanha para revigorar a festa e adquiriu um terreno na Lapinha, onde construiu um barracão para abrigar as duas carruagens e as imagens do Caboclo e da Cabocla.

O historiador e pesquisador Diego Copque conta que o responsável pela compra do terreno foi José Álvares do Amaral, integrante da Sociedade Patriótica 2 de Julho. José Álvares era neto de João Ladislau de Figueiredo e Melo, que atuou de forma significativa nas lutas pela independência e foi agraciado pelo imperador D. Pedro I com dois títulos ao final da guerra.

Apesar de todo o empenho dos patriotas, no início do século XX o barracão entrou em ruínas, pois os integrantes da agremiação, que eram os responsáveis por juntar dinheiro para fazer a manutenção do local, eram pessoas humildes que não tinham muito poder aquisitivo. Em 1916, O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), então com 20 anos de existência, resolveu chamar para si a obrigação de construir na Lapinha uma edificação para guardar os símbolos do Dois de Julho. “O barracão era bem improvisado, era apenas coberto e tinha paredes de palha”, conta o jornalista, pesquisador e diretor do IGHB, Jorge Ramos.

Foi aí que em 1917, o Major Cosme de Farias entregou as chaves do barracão, as carretas e as imagens ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) “para a guarda eterna”, conforme disse na solenidade de entrega das chaves. No ano seguinte (1918), foi inaugurado o Pavilhão 2 de Julho na Lapinha. A inauguração foi registrada em uma das edições da Bahia Illustrada, revista mensal brasileira editada no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Século XX, e atualmente disponível na hemeroteca digital brasileira.

A edificação foi construída pelo IGHB, durante a gestão do secretário Bernardino de Souza, a partir de arrecadação de donativos populares. “Naquele tempo não havia políticas públicas voltadas para a cultura, as ações culturais eram bancadas pelo próprio bolso. As entidades eram instrumento dessas ações, mas sem muitos recursos para fazer frente a essas despesas”, explica Jorge.

Por que a Lapinha – A escolha da Lapinha tanto como ponto de partida para o desfile cívico como para a construção do pavilhão tem uma justificativa histórica. Foi nesse local que o pernambucano José de Barros Falcão de Lacerda, general Barros Falcão, grande comandante da batalha de Pirajá, chegou na madrugada de 2 de julho de 1823 e ficou aguardando Lima e Silva, comandante-geral do Exército Libertador, que vinha pela Estrada das Boiadas, atualmente a Rua Lima e Silva, na Liberdade.

“Então, foi nesse local que primeiro chegou o general Barros Falcão, onde ficou acampado aguardando por Lima e Silva. Com a chegada de Lima e Silva, ocorre o encontro das duas divisões das forças patrióticas e há uma confraternização com abraços. Foi a união na vitória. Eles marcharam da Lapinha à Soledade, o general Lima e Silva à frente sobre um cavalo e ao lado dele o Corneteiro Lopes. Na Soledade, as freiras fizeram uma homenagem com um arco de folhas. Essa imagem está eternizada no quadro Entrada do Exército Libertador de Presciliano Silva”, diz Jorge.

A parte urbana de Salvador começava na Lapinha se estendendo até o Centro Histórico. Da Lapinha para a região norte da cidade predominava a vegetação. Então, a Lapinha foi o ponto de partida para o primeiro desfile cívico após as lutas pela Independência do Brasil na Bahia e nada mais justo que os carros emblemáticos do Caboclo e da Cabocla ficassem guardados nesse local, que é o ponto de partida do desfile cívico em celebração à data magna da Bahia todos os anos.

Edificação – O Pavilhão 2 de Julho compreende uma área de 175,57 metros quadrados, ou seja, trata-se de uma edificação estreita. A Prefeitura está realizando a requalificação do local para a implantação de um memorial que vai permitir a visitação pública durante todo o ano. O Pavilhão da Lapinha, como também é chamado, vai abrigar uma pequena exposição sobre a Independência do Brasil na Bahia e seus principais símbolos, personagens e acontecimentos. Os carros emblemáticos e as imagens do Caboclo e da Cabocla, que ficam abrigados no local, também serão restaurados pelo artista plástico e restaurador José Dirson Argolo.

Apesar de estreita, a edificação do Pavilhão 2 de Julho tem um amplo pé-direito (termo na arquitetura para se referir à altura entre o chão e o teto). Essa característica da altura do imóvel está sendo aproveitada no processo de requalificação para a construção de dois mezaninos metálicos com piso em vidro de onde será possível ver os carros emblemáticos do Caboclo e da Cabocla.

“O projeto segue um conceito que nós defendemos hoje na arquitetura. Quando nós temos uma arquitetura que marca uma época, ao fazer alguma mudança, nós trabalhamos com arquitetura contemporânea para que fique bem claro o que é contemporâneo e o que é histórico”, conta Tânia Scofield, presidente da Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), responsável pelo projeto do memorial.

Membro da comissão de cultura do IGHB, Jorge Ramos, define a implantação do memorial como uma iniciativa absolutamente notável. “Já não era sem tempo a Bahia quitar essa dívida com os nossos heróis do passado. Era um sonho da nossa saudosa ex-presidente do IGHB, Consuelo Pondé de Sena, que queria esse memorial e que sonhava também com um museu da Independência. Esse memorial é um trabalho que a Prefeitura realiza para propiciar aos baianos a eternização do nosso 2 de Julho”, afirma.

Simbolismo – A fachada do imóvel é notável pelas cores vivas e pelo simbolismo. Segundo o arquiteto Nivaldo Andrade, coautor do projeto de restauração e requalificação do Pavilhão 2 de Julho, a edificação foi construída em um período em que estava em voga no Brasil, na Bahia e no mundo a arquitetura eclética, que era uma arquitetura que bebia dos estilos do passado.

“A fachada muito ornamentada, com muitos elementos decorativos ao redor da porta, como o rendilhado, as folhas e flores, reflete um pouco essa linguagem predominante nas primeiras décadas do século passado. São alguns exemplos dessa arquitetura eclética o Palácio Rio Branco, Palácio da Aclamação e o Corpo de Bombeiros na Baixa dos Sapateiros”, conta.

Além das características da arquitetura eclética, havia um discurso do nacionalismo, em defesa da Bahia, da Independência da Bahia e do Brasil, por isso figuram na fachada o Brasão da Bahia, o Brasão de Armas do Brasil (Brasão da República) e o Brasão Oficial do Império do Brasil. A porta e a ornamentação ao redor têm um formato de arco, remetendo aos arcos do triunfo, com o grito do Ipiranga: Independência ou Morte. A porta já tinha o formato de arco em imagem registrada em 1871, conforme registra o livro “2 de Julho: a Festa é História” de Socorro Targino Martinez.

“Arco do Triunfo é um termo que existe desde Roma antiga. Nesse período, quando os imperadores realizavam feitos importantes, era construído um arco do triunfo, a exemplo do Arco de Tito, que comemora as vitórias militares do imperador Tito. Posteriormente, esses arcos serviram de modelo para a construção de novos arcos, a exemplo do Arco do Triunfo, inaugurado em Paris, no século XVIII. Então são arcos que registram o triunfo de algum governante frente a algum inimigo, batalha ou guerra”, explica o arquiteto.

Restauro – Com a requalificação e implantação do memorial feitos pela Prefeitura, a fachada passou por um trabalho cuidadoso de restauração, conduzido por profissionais de Artes Plásticas, no sentido de recuperar o que estava comprometido, a exemplo dos brasões, que estavam um pouco deformados, devido às diversas camadas de reboco e tinta. Com a restauração, os elementos ficaram mais nítidos.

Nivaldo destaca ainda que o principal desafio da obra foi criar espaços dentro de um edifício pequeno para a instalação do memorial. “Era um galpão com um único espaço e a gente conseguiu transformar em um espaço com três níveis, com um espaço positivo razoavelmente grande para o tamanho original do edifício. Isso não impacta na sua leitura desde o Largo da Lapinha. Quem estiver do lado externo vai continuar vendo a mesma fachada, só que restaurada, mas lá dentro o espaço cresceu”, afirma Nivaldo.

A obra compreende a construção de três pavimentos ao fundo do lote, abrigando elevador, sanitários, circulações, área de exposição e sala administrativa, tudo isso conectado ao pavilhão através de estrutura metálica. Quem visitar o memorial após a requalificação vai ter a oportunidade de passear entre o contemporâneo e o histórico, tendo ao centro as atrações principais do espaço: o Caboclo e a Cabocla, figuras representativas da força popular (indígenas, negros libertos e escravizados, mestiços e brancos pobres), principal atuante na luta pela Independência do Brasil na Bahia. Foto: Ivan Luiz / Repórter Hoje

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