Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas ganha nova atualização

Iniciativa do MPT e da OIT mostra que, entre 1995 e 2022, 60.251 pessoas foram encontradas trabalhando em condições análogas à escravidão

Entre 1995 e 2022, 60.251 pessoas foram encontradas trabalhando em condições análogas às de escravidão no Brasil, e 2.575 foram resgatadas ano passado, de acordo com o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no âmbito da iniciativa SmartLab de Trabalho Decente.

“Pelo sétimo ano, o Observatório traz informações essenciais a processos de tomada de decisões quanto a medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, de acordo com a meta 8.7 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. A plataforma oferece subsídios valiosíssimos para a identificação de áreas prioritárias, com detalhamento geográfico e contextual de vulnerabilidades, apontando onde os casos ocorrem, com qual frequência, se há mudanças ao longo do tempo e quais os grupos afetados, brasileiros e, com a atualização 2023, imigrantes de outras nacionalidades no Brasil. Com essa perspectiva de promover ações regionais e locais guiadas por dados em prol da erradicação, estamos atuando inclusive para engajar governadores e governadoras no país”, destacou o Procurador-Geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira.

“Esta inovadora parceria contribui enormemente para visibilizar o tema do trabalho escravo e tráfico de pessoas e orientar a implementação de políticas de promoção da justiça social. Sabemos que estes 60,2 mil resgatados nos últimos 27 anos são somente uma fração do total de vítimas. Por trás de cada estatística estão histórias de vida e de violações de direitos fundamentais do trabalho, que são um chamado a respostas contundentes, ancoradas nas normas internacionais. Neste contexto, encorajamos o governo a ratificar o Protocolo da OIT sobre Trabalho Forçado de 2014 que completa a Convenção 29. O Protocolo já foi ratificado por 59 países e o Brasil ainda não figura nesta lista. “, disse o diretor do Escritório da OIT para o Brasil, Vinícius Pinheiro.

Unidades Federativas de destaque em 2022 e reincidência em municípios ao longo da série histórica

Em 2022, os estados com maior número de resgates foram Minas Gerais (1.012 pessoas resgatadas, alta de 32% em relação a 2021), Goiás (267 pessoas, +12%), Piauí (180 pessoas, +480%), Rio Grande do Sul (156 pessoas, +105%) e São Paulo (146 pessoas).

Segundo a seção de áreas prioritárias e análise comparativa do Observatório, os municípios em que o trabalho escravo vem sendo detectado com base em denúncias têm perfis heterogêneos, variando desde os que apresentam incidência de detecção anual persistente até os que se mostram com ocorrências pontuais, o que permite o melhor direcionamento e focalização de políticas públicas de prevenção de acordo com esses padrões.

De 1995 a 2022, os municípios que apresentaram alta reincidência anual de resgates foram São Felix do Xingu/PA (resgates em 20 anos do total de 27 da série histórica), Açailândia/MA (15), Marabá/PA (14), São Paulo/SP (13) e São Geraldo do Araguaia (11).

Nos últimos cinco anos, outros municípios que se destacaram como de alta reincidência anual, excluídas as capitais, foram Campos Altos/MG, Porto Murtinho/MS, Tapira/MG, Córrego Danta/MG, Rio Verde/GO, Caxias/MA, Patos de Minas/MG, Ibiraci/MG, Perdizes/MG, Jequitaí/MG.

Em 2022, os municípios de alta incidência de resgates foram Varjão de Minas/MG (273 resgatados), Bom Jesus/RS (80), Nova Ponte/MG (74), Iraí de Minas/MG (54), São Simão/GO (51), Lassance/MG (48), São Joaquim/SC (46), Naviraí/MS (45), Iguatemi/MS (44) e Nazário/GO 40). Entre as capitais, destacaram-se no período São Paulo/SP, Brasília/DF, Fortaleza/CE, Rio de Janeiro/RJ e Belo Horizonte/MG.

“O Observatório tem se consolidado, ano após ano, como uma ferramenta valiosa no desenho da política de combate ao trabalho análogo ao de escravo e ao tráfico de pessoas. Seja exercendo uma influência direta no planejamento realizado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, com ações de inteligência fiscal, ou até mesmo aperfeiçoando o processo de tratamento das denúncias que chegam pelo Sistema Ipê. Nesse contexto, os resultados obtidos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel têm se aprimorado cada vez mais, em razão de se conseguir informações mais qualificadas das situações a serem enfrentadas. Aumentar a base de conhecimento é fundamental para a elaboração de políticas públicas, e quanto mais informações dos diferentes órgãos estiverem à disposição, melhor a ação do Estado Brasileiro para alcançar o objetivo de erradicar essa chaga”, observou Disse Luiz Felipe Brandão de Mello, Secretário de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.

Com o mapeamento dos municípios de nascimento e residência de pessoas resgatadas, o Observatório proporciona um melhor entendimento geográfico sobre déficits socioeconômicos e de desenvolvimento humano, inclusive em relação a grupos populacionais mais vulneráveis ao aliciamento, auxiliando na elaboração de políticas públicas de combate ao trabalho escravo no país.

Os locais de nascimento e residência das pessoas resgatadas costumam apresentar níveis mais baixos de desenvolvimento humano e socioeconômico. No longo prazo, esses fatores – associados a outros como a pobreza, baixa escolaridade, desigualdade, precária oferta de serviços públicos e violência – contribuem para aumentar o risco de aliciamento ao trabalho escravo. Os locais de resgate possuem dinamismo produtivo e econômico recente, porém intenso, onde há oferta intermitente de postos de trabalho em ocupações que pagam menores salários e exigem pouca ou nenhuma qualificação profissional ou educação formal. Em geral, isso está aliado a fatores como pobreza, baixa escolaridade, desigualdade e violência, entre outros.

“O Observatório permite que gestores e autoridades públicas federais, estaduais e municipais conheçam aspectos quantitativos e qualitativos das localidades, dos resgates e da origem e perfil das vítimas, estimulando-se um trabalho colaborativo que, para ser efetivo, não pode se restringir a ações de fiscalização e repressão”, destaca a coordenadora da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT (Conaete), Lys Sobral, ao observar que a “grande maioria das vítimas nascem ou moram em municípios cujos indicadores de educação, pobreza e extrema pobreza são ainda muito desfavoráveis”.

Locais de nascimento e residência dos resgatados: maranhenses são os mais frequentemente atingidos

Entre 2003 e 2022, o Maranhão foi o estado brasileiro com o maior número de pessoas naturais e residentes resgatadas. Os maranhenses correspondem a 21% do total de resgatados, seguidos por mineiros (11%) e baianos (10%), paraenses (8%) e piauienses (6%). Quanto aos municípios, destacam-se, entre os mais afastados dos grandes centros urbanos nacionais e com grande número de residentes atingidos, Amambaí/MS, Codó/MA, Redenção/PA, Caarapó/MS, Imperatriz/MA, São Francisco/MG, Santa Luzia/MA, Pastos Bons/MA, Barras/PI e Caxias/MA.

O Maranhão também ocupa a primeira posição quanto aos locais de residência declarada dos resgatados, com 17% do total, seguido do Pará (13%), Minas Gerais (11%), Bahia (9%) e Mato Grosso do Sul (5%).

Na série histórica desde 2003, destacam-se, excetuadas as capitais, os municípios de Açailândia/MA (resgates de residentes em 19 dos 20 anos da série), Redenção/PA (18), Codó/MA (17), São Luis/MA (17) e Marabá/MA (17), Santa Luzia/MA (16), Caxias/MA (15), Ourilândia do Norte/PA (15), Itupiranga/PA (15), São Felix do Xingu/PA (15), Bacabal/MA (14), Imperatriz/MA (14), Araguaína/TO (14) e Monção/MA (13).

Perfis das pessoas resgatadas

Quanto à escolaridade, cerca de 77% eram analfabetos ou com o ensino fundamental incompleto. A grande maioria das pessoas resgatadas de condição de trabalho análogas à escravidão é do sexo masculino e se concentra na faixa etária dos 18 a 24 anos. No entanto, cerca de 2% são resgatadas ainda crianças ou adolescentes, o que evidencia também algumas das piores formas de trabalho infantil envolvendo meninos e meninas.

Na série de dados de 2003 a 2022, mais de 80% das pessoas resgatadas eram trabalhadoras e trabalhadores agropecuários – incluídos os volantes da agricultura, trabalhadores da pecuária, carvoeiros, operadores de motosserra e atuantes nas mais diversas culturas -, seguidos por serventes de obras e pedreiros, trabalhadores em confecções, vendedores e garimpeiros.

Setores econômicos e cadeias produtivas

Quanto aos setores econômicos, a atividade de criação de bovinos se destacou pela ocorrência de resgates em todos os anos da série histórica de 1995 a 2022 (27 anos), seguida pela produção florestal em florestas nativas (incidência em 23 anos), cultivo de café (21), cultivo de soja (21), lavouras temporárias (20) e construção de edifícios (17).

Além disso, nos últimos cinco anos (de 2018 a 2022) houve resgates em atividades de apoio à agricultura, lavouras temporárias, produção florestal em florestas plantadas, cultivo de café, extração de pedra (incluindo areia e argila), cultivo de soja, produção florestal em florestas nativas, criação de bovinos, construção de edifícios, confecção de peças de vestuário e serviços domésticos (trabalho escravo doméstico).

“Há enorme carência de mecanismos efetivos que contribuam para a eliminação do trabalho escravo, do tráfico de pessoas e do trabalho infantil em diversas cadeias de produtivas. Atualmente, predomina o chamado ‘greenwashing’, prática pela qual se tenta construir imagem socioambiental positiva sem a adoção de medidas concretas e eficazes. É muito raro, tanto em análises de risco ESG/ASG (com foco em variáveis ambientais, sociais e de governança) quanto nos chamados ‘relatórios de sustentabilidade’, haver informações detalhadas e precisas, por exemplo, sobre o contexto socioeconômico das localidades das operações empresariais (ou no caso do setor financeiro, das operações financiadas) ou sobre formas efetivas de seleção de fornecedores para prevenir a ocorrência das piores formas de exploração do trabalho humano”, aponta Luis Fabiano de Assis, procurador e cientista de dados, que coordena a Iniciativa SmartLab de Trabalho Decente e o Observatório, pelo MPT. No caso das empresas de capital aberto, a Lei n.º 7.913/1989 traz, inclusive, a possibilidade de responsabilização por danos causados a investidores por omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.”, acrescenta.

Trabalho forçado, escravidão contemporânea e tráfico de pessoas como problemas de saúde pública

Detecção do tráfico de pessoas no Sistema Único de Saúde – O Observatório aponta cerca de 2 mil casos de tráfico de pessoas noticiados por meio do formulário de violência do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), incluindo, além do tráfico para a finalidade de adoção ilegal e remoção de órgãos, a submissão a exploração sexual (inclusive a prostituição), a servidão e o trabalho em condição análoga à de escravo, entre outras formas de violência, com muitos casos envolvendo crianças e adolescentes.

“É possível detectar sinais da existência do tráfico de pessoas, para qualquer finalidade, inclusive o trabalho escravo e a exploração sexual de crianças, adolescentes e adultos, em uma série de bancos de dados de natureza pública, inclusive no Sistema Único de Saúde. O tráfico de pessoas é mundialmente reconhecido também como um problema de saúde pública. Não se pode esquecer, ainda, que detectar o tráfico de pessoas não significa ter uma noção exata da prevalência, que corresponderia ao número total de casos, inclusive os desconhecidos. Temos convicção, com base em sinais em diferentes bancos de dados e em estimativas globais, de que o que conseguimos detectar é apenas a ponta do iceberg“, ressalta Assis.

Assis também esclarece que “existe uma falsa crença de que o tráfico de pessoas depende de migrações ou do transporte de pessoas de um ponto a outro do território ou para outros países, quando na verdade já configuram o crime algumas ações como as de recrutar ou de alojar pessoas mediante fraude ou abuso para exploração sexual, trabalho escravo, servidão, adoção ilegal ou remoção de órgãos”.

Exploração sexual comercial de crianças e adolescentes (Mapear)

O Observatório também mantém o destaque para as áreas de risco de tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial.

A partir de dados do Mapeamento dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (MAPEAR), realizado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), a plataforma apresenta detalhamento em nível municipal das áreas de risco de exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias e estradas federais.

No ciclo 2019/2020, foram identificados 3.651 pontos de risco, 470 dos quais são críticos. Dentre as rodovias federais com a maior quantidade de pontos de alto risco destacam-se as BRs 116 (15%) e 153 (10%). Os municípios com a maior quantidade de pontos identificados foram Ponta Grossa, no Paraná, Miracatu e Atibaia, em São Paulo, Jataí, em Goiás, e Campo Grande, em Mato Grosso.

Os dados do ciclo 2021/2022 serão em breve divulgados.

A atuação no âmbito do MAPEAR tem caráter eminentemente preventivo, a partir da inserção dos pontos vulneráveis nas rondas e fiscalizações da Polícia Rodoviária Federal. O projeto é apoiado por órgãos parceiros como o MPT, a OIT, a Childhood Brasil e o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

Estimativas Globais, Detecção e Prevalência

As mais recentes Estimativas Globais da OIT indicam que 50 milhões de pessoas estavam vivendo em condições de escravidão moderna em 2021, 10 milhões de pessoas a mais em comparação com as estimativas globais de 2016.

Quando se trata de resgates de trabalho escravo, é importante diferenciar entre detecção e prevalência. A detecção refere-se à identificação de casos de trabalho escravo por parte das autoridades governamentais, por meio de inspeções e operações de fiscalização. Por outro lado, a prevalência representa a estimativa do número total de casos de trabalho escravo em uma determinada região ou período. De acordo com o Global Slavery Index, em 2016 havia uma estimativa de 369.000 pessoas em condições de escravidão moderna no Brasil, o que representa uma prevalência de 1,8 vítimas de escravidão moderna para cada mil pessoas no país. Porém, é importante destacar que a detecção de casos de trabalho escravo no Brasil tem sido limitada. Nos últimos 27 anos, foram detectados cerca de 60.000 casos, o que é uma quantidade considerável, mas pode ser menor do que a prevalência real do fenômeno em todo o país. Portanto, é fundamental que as autoridades intensifiquem suas ações de prevenção e combate ao trabalho escravo para garantir a detecção e a erradicação dessa violação dos direitos humanos.

Protocolo de Palermo e Código Penal Brasileiro – De acordo com o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo – Decreto 5.017/2004), a expressão “tráfico de pessoas” significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos, entre outras formas de violência. O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos. Além disso, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum daqueles meios. No Brasil, essas práticas são punidas com medidas administrativas, civis e criminais. No Código Penal, trata-se, em especial, dos crimes previstos nos artigos 149 e 149-A.

Denúncias

Denúncias sobre tráfico de pessoas e trabalho escravo podem ser feitas por meio dos seguintes canais: Portal de Denúncias do MPT ; App MPT Pardal; Disque 100 ou 180; e Sistema Ipê.

Impacto

Desde o seu lançamento, os cinco observatórios digitais da Iniciativa SmartLab contam com mais de 1 milhão de visitas oriundas de mais de 80 países, consolidando-se como o maior repositório de informações e conhecimento sobre trabalho decente do Brasil. No último ano, a plataforma recebeu o acesso de mais de 100 mil novos usuários, 93% do Brasil e 7% de outros países.

Na plataforma Google Scholar, podem ser identificadas mais de 500 publicações acadêmicas que se utilizaram da plataforma para produzir conhecimento científico, entre teses de doutorado, dissertações de mestrado e artigos publicados no Brasil e no exterior. Além disso, mais de 60 mil referências a dados da plataforma já são contabilizadas em notícias de âmbito nacional, regional e local, o que fortalece a agenda pública de promoção do trabalho decente em todo o Brasil.

Além das instituições apoiadoras da iniciativa SmartLab, o MPT e a OIT contam com um importante e estratégico parceiro na gestão de estudos conjuntos e aprimoramentos contínuos do Observatório: a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, atualmente cogestora.

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