Consumo moderado de vinho se mostrou benéfico para regulação da microbiota intestinal

Estudo coordenado por pesquisadores do InCor detalha os efeitos da bebida no equilíbrio da flora intestinal e sua relação com proteção cardiovascular 

Um estudo liderado pelo InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) mostrou que o consumo moderado de vinho tinto atuou na regulação da flora intestinal de quem ingeriu a bebida de forma regular. Além de influenciar a microbiota, o estudo indica efeito potencialmente benéfico na metabolômica plasmática, ou seja, nas substâncias liberadas pelo metabolismo durante a digestão e que ficam no sangue.

O resultado contribui para mostrar que em pessoas com mais de 60 anos e com histórico de doença cardíaca (característica do grupo de voluntários analisados na pesquisa), o consumo de 250ml de vinho tinto ao dia, durante 5 dias, por 3 semanas, se mostrou potencialmente benéfico para a saúde da microbiota intestinal e também mostrou modificações no sangue relacionadas a melhor metabolismo energético e antioxidante. 

Publicado na revista The American Journal of Clinical Nutrition, referência na área de nutrição, o projeto denominado WineFlora Study* foi orientado pelo Prof. Dr. Protasio Lemos da Luz, pesquisador sênior do InCor, com autoria de Elisa Alberton Haas, médica cardiologista, com doutorado pelo InCor. O estudo contou com a participação de especialistas da Escola de Medicina de Harvard (EUA), da Universidade de Verona (Itália), do Instituto Austríaco de Tecnologia, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade de São Paulo e da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. 

“O interesse em estudar a interação do vinho com a flora intestinal surgiu porque, nos últimos anos, a microbiota tem sido identificada como participante importante da saúde humana ao se relacionar a várias doenças, como as cardiovasculares, cânceres e até o transtorno do espectro autista. Isso porque tudo o que a gente come tem que passar pelo intestino, um órgão que, ao metabolizar alimentos, produz substâncias que interferem em vários sistemas fisiológicos do organismo”, explica Prof. Dr. Protasio Lemos da Luz, cardiologista e pesquisador sênior do InCor. 

Como se sabe que a qualidade da microbiota intestinal está relacionada com, por exemplo, obesidade, diabetes mellitus tipo 2, acúmulo de gordura no fígado e doenças cardiovasculares, os pesquisadores avaliaram um grupo de 42 homens com idade média de 60 anos e histórico de infarto, cateterismo, cirurgia de ponte de safena, doença carótida, doença arterial periférica e acidente vascular cerebral. Os voluntários consumiram vinho tinto por 3 semanas, cerca de 250ml por dia, e passaram por um período igual de abstenção de álcool, ambos precedidos por um período de dieta controle (washout) de 2 semanas. A pausa funciona para comparar as análises biológicas dos participantes antes, durante e depois do consumo da bebida. 

“As análises conduzidas mostraram que o vinho tinto atuou de forma positiva na flora intestinal, causando um equilíbrio na microbiota ao aumentar a quantidade do que podemos chamar de bactérias ‘boas’, como a Parasuterella, Ruminococcaceae, vários Bacteroides e Prevotella – que são importantes para a produção de substâncias benéficas e para a digestão de fibras”, explica Dra. Elisa Haas, autora do estudo que realizou como tese de doutorado. 

Nos resultados da análise sanguínea dos voluntários também foram identificados os efeitos do vinho tinto em níveis de aminoácidos, lipídeos, carboidratos, vitaminas e cofatores, substâncias que ajudam a explicar os possíveis benefícios cardiovasculares do consumo moderado do vinho tinto. 

“Além de avaliar a microbiota intestinal, também observamos a relação do consumo de vinho tinto com uma substância que tem sido amplamente correlacionada a doenças cardiovasculares, o N-óxido de trimetilamina plasmática, que chamamos de TMAO, um metabólito que surge no sangue, pela microbiota intestinal, a partir do metabolismo de alimentos”, explica Dra. Elisa Haas, autora do estudo.

Ao ser liberado no organismo durante a digestão de alimentos ricos em gordura animal, por exemplo, de carnes gordurosas, o TMAO circula na corrente sanguínea e se torna um fator de risco para a formação de placas de gordura em vasos e artérias. A exemplo do LDL, diversos estudos avaliam se o TMAO pode ser um preditivo independente de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte cardiovascular. 

“Foram feitas várias avaliações dos níveis de TMAO no sangue dos participantes e observamos que a sua quantidade, após o consumo de vinho tinto, não foi modificada de forma expressiva. Temos um novo desafio de utilizar essa substância como um biomarcador individual para o risco de doenças cardiovasculares, e mais estudos podem ajudar a esclarecer essa questão”, ressalta Dra. Elisa Haas. 

Para os pesquisadores, os resultados inéditos deste estudo multicêntrico mostram de forma ampla como os possíveis benefícios cardiovasculares do consumo moderado de vinho tinto estão relacionados com o metabolismo da bebida e seus efeitos na microbiota intestinal. “O que chamamos de eixo cérebro-intestino, diante desses dados, pode ser citado como eixo coração-intestino, dada a importância da relação entre as bactérias encontradas no sistema digestivo com a saúde geral das pessoas, entre elas, a saúde cardiovascular”, finaliza Prof. Dr. Protasio Lemos da Luz. 

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