Liminar impõe obrigações trabalhistas a pastor que manteve pessoas trabalhando sob regime de escravidão em Rio Claro (SP)

Decisão determina que réus mantenham trabalhadores com contrato de trabalho formalizado, em alojamentos dignos e trabalhando com segurança

O juízo da Vara do Trabalho de Rio Claro proferiu liminar favorável ao Ministério Público do Trabalho (MPT), determinando o cumprimento de uma série de obrigações trabalhistas à Associação Filantrópica São Mateus, conhecida como Casa da Paz, e ao pastor Manoel José de Lima, que em julho de 2021 foi flagrado mantendo 7 pessoas em regime de trabalho escravo em um sítio no bairro Alta Cajamara, na cidade de Rio Claro (SP).

A decisão assinada pela juíza Karine da Justa Teixeira Rocha impõe aos réus as seguintes obrigações: abster-se de submeter trabalhadores a regime de trabalho análogo ao de escravo ou de trabalho forçado, inclusive de retenção de documentos; não admitir empregados em trabalho informal; não manter trabalhadores em alojamentos sem condições dignas de moradia, mas conforme as normas vigentes; não exigir o trabalho sem remuneração; e não submeter empregados ao trabalho em condições inapropriadas de segurança e higiene.

A multa pelo descumprimento da liminar é de R$ 1.000,00 por dia, para cada item infringido, multiplicada pelo número de trabalhadores prejudicados, a ser paga de forma solidária.

O procurador Éverson Rossi ajuizou ação civil pública em janeiro de 2022, após inquérito instruído com o objetivo de levantar provas da responsabilidade dos réus na redução de trabalhadores a condições análogas à escravidão em uma usina de lixo reciclável instalada na Casa da Paz, local onde supostamente funcionava uma “comunidade terapêutica” para a recuperação de usuários de drogas e álcool.

Na ocasião, o pastor foi preso pela Polícia Civil de Rio Claro por manter os 7 homens, dois deles com problemas psiquiátricos, trabalhando sem remuneração. Eles viviam em condições degradantes e subumanas.

Um trabalho conjunto realizado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, Polícia Civil, Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, Vigilância Sanitária e Ministério Público do Trabalho, provocado por denúncia do juízo da Vara da Família de Rio Claro, constatou que se tratava de uma instituição de fachada, cujo objetivo era usar a mão de obra de pessoas vulneráveis, sem qualquer contrapartida remuneratória.

Segundo depoimentos, os homens eram submetidos a jornadas exaustivas, trabalhavam sem proteção, tinham seus documentos retidos pelo empregador, residiam em um alojamento extremamente precário, não podiam sair da propriedade ou ver seus familiares, e ainda eram agredidos fisicamente pelo pastor, especialmente se algum deles se recusava a levantar da cama para trabalhar. Um deles, o mais idoso, dormia sentado em uma cadeira. O réu ainda se apropriava dos benefícios previdenciários recebidos pelas vítimas.

Ficaram comprovadas as ocorrências de trabalho forçado, restrição de locomoção, retenção de documentos e condições degradantes de trabalho e de moradia.

“Não se considerou o respeito a direitos trabalhistas básicos, muito menos se garantiu condições mínimas de trabalho, de alojamento e de segurança para os trabalhadores. Não foram disponibilizadas instalações que lhes permitissem dormir em condições dignas, ainda que simples, bem como locais onde pudessem descansar ou se abrigar nos períodos de intervalo e nos dias de folga. O réu utilizou-se de diversos meios para manter os “empregados” sob seu domínio, como a retenção de salários e de seus documentos, até mesmo de violência, maus-tratos e ameaças físicas e psicológicas”, afirma o procurador Everson Rossi, responsável pelo processo.

Os homens foram resgatados pela Polícia Civil e atendidos pelo CREAS de Rio Claro. O MPT, após a instrução de inquérito civil, ajuizou ação civil pública pedindo uma tutela inibitória, a fim de evitar danos futuros, e a condenação da Associação e do pastor Manoel José de Lima ao pagamento de R$ 500 mil por danos morais coletivos. Além do procurador Everson Rossi, atuaram no caso o delegado Mateus do Prado Oliveira e o promotor de justiça Gustavo Andreato.

Mérito – No julgamento de mérito, o MPT pede a efetivação liminar em caráter definitivo, além da condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 500 mil.

O pastor está respondendo em liberdade pela conduta criminal, e pode ser condenado à pena de reclusão de dois a oito anos, com base no artigo 149 do Código Penal.

Combate ao trabalho escravo – Em 2019, o MPT Campinas recebeu 70 denúncias; este número caiu para 61 em 2020 e teve um crescimento significativo em 2021, com o recebimento de 105 denúncias (72% maior em relação ao ano anterior). No período de cinco anos (2016-2021), a instituição recebeu o total de 454 denúncias.

O número de termos de ajuste de conduta (TAC) e ações civis públicas ajuizadas contra empresas que se utilizaram de mão de obra escrava também cresceu na Regional da 15ª Região em relação aos dois anos anteriores. Em 2021 foram firmados 26 TACs e ajuizadas 9 ações. Em 2020, foram celebrados 6 TACs e 3 ações com este objeto. Em 2019, no período pré-pandêmico, o MPT celebrou 18 TACs e moveu 3 ações.

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