‘Salvador foi pega na pandemia com uma rede de saúde combalida’, diz Hilton Coelho

Candidato pela segunda vez à prefeitura de Salvador, o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL) defende um modelo que define como uma forma de “democracia direta” para a tomada das decisões da gestão municipal, inclusive com a eleição do titular da Secretaria de Educação em uma conferência de representantes do setor.

“Tudo isso tem que ser feito com a participação direta da população, através de audiências públicas, conferências, enfim, formas de consulta em relação a essas grandes questões, que vão impactar na qualidade de vida da cidade”, afirma o psolista, o sétimo candidato pelo grupo A TARDE para ajudar o eleitor no momento do voto em novembro.

Por que o senhor quer ser prefeito de Salvador?

Porque chega de vender nossa cidade. Salvador é uma cidade que tem uma riqueza cultural enorme, uma herança ancestral de luta fundamental. Somos a cidade que fez um conjunto de lutas de resistência. O nosso povo negro, as nossas mulheres retadas, guerreiras, foram à guerra pela independência. Mas hoje, infelizmente, a cidade está sendo vendida. Essa venda acaba bloqueando a máquina pública, no sentido de realizar os interesses da grande maioria da população. Então, nós, do PSOL, PCB e do partido da Unidade Popular queremos, a partir da participação direta da população, primeiro suspender o processo de venda da cidade através da influência subterrânea de pequenos grupos econômicos, e substituindo isso pela vontade da população, através da democracia direta.

Como seria isso que o senhor chama de democracia direta?

É preciso, por exemplo, repensar as definições estratégicas da cidade. Nós queremos rever o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, que não é implementado o que tem de popular e o que serve aos grandes grupos econômicos foi posto em prática. A questão do saneamento básico, por exemplo, já que nós estamos nesse contexto de pandemia. Salvador tem um bom plano diretor de saneamento básico, mas isso não foi implementado. Nós precisamos rever tanto as definições que prejudicam os grandes objetivos da cidade como aquelas positivas mas que não são implementadas. Tudo isso tem que ser feito com a participação direta da população, através de audiências públicas, conferências, enfim, formas de consulta em relação a essas grandes questões, que vão impactar na qualidade de vida da cidade. Isso de forma geral, mas também específica. Não podemos pensar em uma Educação hoje em Salvador que continue sendo um verdadeiro cabo de guerra entre as educadoras e educadores do município e a administração, ou seja, a prefeitura. Isso vem ocorrendo e causa um prejuízo enorme. Nós temos um corpo de educadoras e educadores muito qualificado. Vamos acabar com esse cabo de guerra, fazendo uma grande conferência no campo da educação, que Salvador jamais sonhou, que tenha as educadoras como condutoras do processo de redefinição da situação da educação no município de Salvador. Uma grande conferência que discuta, por exemplo, as diretrizes do município, a reestruturação material da rede e as carreiras. E que, ao final, eleja diretamente a nova secretária de Educação. São formas de garantia de participação que, junto com o Orçamento Participativo Deliberativo e o Congresso do Povo, são capazes de colocar o povo diretamente na condução da nossa cidade, evitando portanto esses acordos subterrâneos.

Caso eleito, como seria a sua relação com a Câmara Municipal, na qual provavelmente o senhor não teria maioria, salvo houvesse uma grande mudança?

Caso nós não venhamos ter a maioria, é preciso apelar para a Câmara de Vereadores no sentido de que ela ouça a voz da maioria da população. Aliás, o Legislativo tem o papel de ser a caixa de ressonância da vontade popular. Então, à medida que vamos realizar esse conjunto de eventos de participação direta da população, obviamente a Câmara de Vereadores vai ser chamada a ter um papel ativo para contribuir com o enriquecimento do debate. Eu acredito que esse envolvimento direto do conjunto dos vereadores certamente tem um potencial enorme de fazer com que eles estejam sensibilizados para, de alguma forma, se orientar pelo posicionamento dessa maioria que discutiu, avaliou e resolveu tomar determinadas decisões em relação a esses rumos. Decisões sobre os quatro anos, como é o caso do PPA, o Plano Plurianual, e dos planos anuais, os orçamentos. Tudo isso, ao nosso ver, tem que ser feito com a participação direta da Câmara de Vereadores. E eu acredito que essa participação de alguma forma vai respeitar a vontade popular. Nós confiamos nisso.

Quais serão as prioridades da sua gestão, caso seja eleito?

Além de gerar uma Educação que seja uma referência para o Brasil inteiro, uma das nossas prioridades é a Saúde. Precisamos ter uma Saúde que aproveite o potencial que a cidade tem, relacionado fundamentalmente com os profissionais da área. Nós temos hoje um corpo extremamente comprometido com a afirmação de uma atenção básica que seja realmente de qualidade. Mas é um corpo profundamente desrespeitado. Eu daria o exemplo dos agentes comunitários de saúde, que são uma categoria que, infelizmente, em Salvador contrasta com a situação de todas as capitais do país. Salvador não respeita o piso nacional dos agentes comunitários de saúde e combate a endemias, sendo uma exceção nacional. Isso precisa acabar em relação a toda máquina pública. Nossa prioridade vai ser o fortalecimento da máquina pública, com a participação direta dos servidores e servidoras na condução dessa máquina.

Nesse contexto ainda de pandemia ou de pós-pandemia no próximo ano, o que pretende fazer para auxiliar na retomada econômica?

A primeira coisa é que existe uma população que precisa de uma resposta imediata. Para isso, o PSOL já defende nacionalmente a renda básica permanente. A população de Salvador é empobrecida do ponto de vista da sua renda e a prefeitura precisa de um plano robusto permanente de garantia de renda mínima. Além disso, nós precisamos fortalecer os principais setores da economia popular da cidade. Salvador tem, na sua maioria, um corpo de trabalhadores autônomos, inclusive boa parte deles informais. Precisamos fazer o primeiro congresso das trabalhadoras e trabalhadores autônomos da cidade, para discutir questões como o zoneamento da cidade do ponto de vista das atividades econômicas, os grandes eventos – como o Carnaval – como festas como essa conseguem fortalecer a renda dos setores populares. Mas tudo isso precisa de um espaço em que os trabalhadores e as trabalhadoras autônomos possam falar sobre isso do seu ponto de vista. Esses trabalhadores querem organizar o espaço urbano, inclusive para que a atividade econômica deles tenha um nível de segurança garantido pelo poder público. O que não existe hoje é esse espaço. Então nós vamos fazer um grande congresso para discutir o trabalho autônomo na nossa cidade. E aí vem outros debates, como a criação do primeiro banco do município de Salvador, um banco do povo. Estamos encampando essa proposta, com a perspectiva de termos a possibilidade de as pessoas investirem, depositarem seus recursos em um banco que traga retornos para a cidade. Precisamos sair da escravidão dos grandes bancos, como Itaú, Bradesco, e dar uma alternativa para o povo soteropolitano investir na sua cidade. Investir na possibilidade de termos mais trabalho e distribuição de renda, com propostas como a criação de uma usina de reciclagem por bairro. Hoje Salvador não trata os seus resíduos sólidos. Poderíamos ter um processo de fortalecimento do cooperativismo nesse campo da reciclagem. Nós sabemos que a coleta é a parte que menos retorno financeiro dá aos trabalhadores. E que a prensa desse material é que garante um retorno maior, mas Salvador não tem usinas públicas de maneira robusta para fazer isso. Nós poderíamos ter isso em cada bairro de Salvador potencialmente, se cooperativarmos esses trabalhadores, se for criado um fundo. Podemos primeiro criar uma rede regionalizada e que, depois, isso vá se ramificando pela cidade, para fortalecermos uma atividade econômica essencialmente popular. O cooperativismo pode ser sustentado por esse investimento que o nosso povo faça através do seu banco, assim como o fortalecimento do cooperativismo de pescadores e marisqueiras, e assim por diante.

Como avalia a postura da atual gestão em relação à pandemia do novo coronavírus?

Em geral, o prefeito ACM Neto teve uma posição de maior firmeza em relação ao isolamento social. Mas o isolamento social e a testagem em massa foram os caminhos encontrados em outros países para o controle da pandemia. Não foi o caso aqui da Bahia. A testagem em massa não aconteceu em Salvador, uma testagem que viabilizasse inclusive algum valor estatístico para que a prefeitura utilizasse como instrumento de saúde pública. Ao mesmo tempo, Salvador foi pega na pandemia com uma rede de saúde combalida, de alguma forma. Eu falei da situação dos agentes de saúde e combate a endemias, mas nós sabemos também a realidade dos postos de saúde, por exemplo. Absolutamente desestruturados, com um corpo de servidores que entende que essa atividade não é uma prioridade da prefeitura. Tudo isso, ao nosso ver, impactou na questão da pandemia. Além disso, temos situações estruturais, como o problema do saneamento básico. A falta de implementação do plano diretor de saneamento básico também impacta nas condições de enfrentamento da pandemia. Fora isso, tivemos a posição vacilante do prefeito em relação aos empresários do transporte coletivo. A redução de linhas foi algo que incrementou as possibilidades de proliferação do vírus. Então, eu diria que a intervenção do prefeito ACM Neto foi contraditória e que, de alguma forma, contribuiu para a situação que estamos agora.

Existe uma possibilidade de mudança de data do Carnaval. O prefeito já sinalizou que a festa poderia acontecer em junho. Recentemente, o senador Ângelo Coronel, apoiador da candidatura do Sargento Isidório, defendeu que o Carnaval não seja adiado. Qual a sua opinião sobre esse assunto?

Ao nosso ver, o direito fundamental à vida deve guiar as ações do poder público. Sem vacinação em massa, é impossível pensar no retorno de eventos com grandes aglomerações, como esse. O poder público não vai ter nenhuma condição de garantir minimamente protocolos de segurança para a população. Precisamos da vacinação em massa e aproveitar desse momento de preparação para a volta do Carnaval, quando for viável, para discutir a democratização do próprio Carnaval.

Comparativamente, como vê os governos Rui Costa e ACM Neto?

De alguma forma, as ações dos dois governos se confundem. Em uma área fundamental, como a educação, ACM Neto foi um prefeito que fechou escolas e, infelizmente, o governador Rui Costa fechou também. Na área da saúde pública, nós percebemos a situação de desestruturação da rede municipal e privatização da rede estadual. E onde o governo não intervém de maneira articulada com a prefeitura, há no mínimo uma cumplicidade em relação a um conjunto de questões. A reforma da Previdência feita pelo governador Rui Costa foi extremamente agressiva, autoritária e repetida pelo prefeito ACM Neto. Temos situações como a possibilidade de arrancar os trilhos do trem do Subúrbio, que é uma iniciativa do governador Rui Costa e conta com a total cumplicidade do prefeito ACM Neto. Esse capítulo, inclusive, pode vir a afogar um sonho de integração regional, que é a possibilidade de ligar Salvador diretamente com a Região Metropolitana, o Recôncavo e parte do Sertão, que é um projeto de estudos da Universidade Federal da Bahia e foi completamente desprezado pelo governador. De alguma forma, o governo Rui Costa também é cúmplice daquela verdadeira monstruosidade que é o BRT de Salvador, uma obra que em nada contribui com a mobilidade urbana – à medida que corre de maneira paralela ao metrô – é ambientalmente agressiva e uma excrescência do ponto de vista urbanístico. Ao nosso ver, são alternativas conservadoras, ambas orientadas por interesses de grupos econômicos que se articulam de maneira subterrânea com o poder, e que precisam portanto ser respondidas com uma alternativa realmente popular.

Se eleito, que tipo de relação pretende manter com o governo federal?

A nossa relação, do ponto de vista político, vai ser de afirmar Salvador como liderança. E vamos ter um posicionamento de colocar os grandes debates do país, que impactam diretamente na vida dos municípios. Debates como a dívida pública, a necessidade de canalizar os recursos que hoje vão para a especulação financeira – que esses recursos sirvam para fortalecer a intervenção dos municípios. O fortalecimento do Fundo de Participação dos Municípios, assim como outros fundos específicos. O fim do teto de gastos, a chamada Emenda Constitucional da Morte, que congelou por 20 anos os investimentos em áreas fundamentais para a garantia dos direitos básicos da população. São pautas que uma liderança que ocupe o cargo de prefeito da cidade de Salvador precisa ter um posicionamento firme. Vamos fazer a defesa desse programa. Em relação à vida da cidade, obviamente nós temos que ter uma relação institucional e garantir que o que está previsto na Constituição contemple a cidade de Salvador como deve contemplar qualquer município do país.

Conforme a última pesquisa Ibope, o presidente Jair Bolsonaro é apoiado por 40% da população brasileira. Como avalia o trabalho da oposição e, sobretudo, do PSOL em relação ao governo federal?

Ao nosso ver, o presidente acabou se fortalecendo sendo obrigado a adotar uma política inversa à sua intenção. O grande componente que fortaleceu a imagem desse presidente foi o programa de renda mínima, defendido pelo PSOL desde o início e que teve a contraposição inicial do presidente. Mas que acabou sendo aprovado pelo Congresso Nacional e se transformou num programa robusto, ainda que temporário, de garantia de renda mínima. É um efeito contraditório do enfrentamento ao próprio governo. Mas, a meu ver, essa popularidade não tende a se sustentar, porque o nosso país está passando por uma crise muito violenta. O desemprego é enorme. Esse governo tem tido um papel desastroso, no sentido de desestruturar o Estado nacional brasileiro. É um governo que está fatiando e vendendo a Petrobras, a Eletrobras, tentando vender o Banco do Brasil, a Caixa Econômica. Agora, recentemente, nós tivemos uma greve heroica dos trabalhadores e trabalhadoras dos Correios, que pautou a privatização dessa empresa secular e que chega aos mais de 5 mil municípios brasileiros. Uma empresa que tem uma papel importantíssimo na garantia da própria integração regional. E há a leitura dos trabalhadores de que esse patrimônio pode ser perdido pelo povo brasileiro. O governo de Jair Bolsonaro e Mourão significa uma alternativa de lesa-pátria, que precisa ser duramente combatido e ter um ponto final a partir da intervenção da população nas ruas, em um processo de mobilização social.

Como vê a atuação da Polícia Militar baiana, sobretudo na abordagem à população negra? Recentemente, a Major Denice disse que a polícia baiana era uma das melhores do país e que os eventuais abusos eram cometidos por profissionais que não respeitavam a técnica

De forma nenhuma. A política de segurança da Bahia figura como uma das mais agressivas do país e é reprodutora de uma visão de extermínio da juventude negra. Os dados de extermínio do Brasil, e a Bahia se destaca nisso, são horrorosos. O Brasil simplesmente executa três vezes mais a soma de todas as execuções feitas em países com pena de morte. A Bahia não é exceção e sempre figura entre os estados em que a agressividade da política de segurança é maior contra o nosso povo. Não me parece um desvio de conduta dos policiais ou despreparo. Essa intervenção é fundamentalmente o resultado de uma política de segurança que tem vitimado a nossa juventude negra e criado uma situação de tragédia social, que é tornar regra no nosso estado, principalmente nas periferias, em que pais e mães enterram os filhos, e não o inverso. É uma política terrível, que já encontra a nossa contraposição, e vai encontrar ainda maior, caso venhamos a assumir o posicionamento de liderança política da cidade de Salvador.

Em termos de programa, a sua candidatura dialoga com alguma das demais?

O primeiro turno vai revelar possibilidades de encontro. Até agora, me parece que a eleição vai ter três polos: um polo da alternativa do prefeito ACM Neto, outro pelas candidaturas que avalizam a atuação do governador Rui Costa e um polo da frente de esquerda, composta pelo PSOL, PCB e Unidade Popular. O processo de discussão pode revelar determinados encontros, mas me parece, de maneira mais estrutural, que são candidaturas bastante diferenciadas nesses três polos.

Em 2016, o deputado Marcelo Freixo disputou o segundo turno no Rio contra Crivella. Agora, Guilherme Boulos aparece em terceiro nas pesquisas em São Paulo. O que falta ao PSOL baiano para ter maior competitividade eleitoral na disputa por cargos do Executivo?

O PSOL baiano vem numa crescente. Nós apresentamos as nossas posições em 2006 e, de lá para cá, especialmente na cidade de Salvador, estamos colecionando vitórias. Chegamos a ter o segundo vereador mais votado da cidade, com um gasto reduzidíssimo em relação a quaisquer outras candidaturas vitoriosas no pleito. E nesse processo eleitoral, iniciamos com uma pontuação [nas pesquisas] que é a mesma da finalização de 2008, a primeira vez em que concorremos à prefeitura de Salvador. Me parece que existe um acúmulo da frente de esquerda que vai falar alto nesse processo eleitoral, especialmente numa relação com a sociedade civil organizada, os movimentos sociais, com um segmento da população que vem atuando mais diretamente na política e, portanto, tem uma capacidade de influência social bastante expressiva. Nos parece que a frente de esquerda já deu passos muito significativos e que isso tende a ganhar mais expressão nesse processo eleitoral.(Atarde)

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