Justiça determina que a Fundação Palmares apague artigo de site oficial com críticas e repúdio a Zumbi

A Justiça Federal ordenou, nesta sexta-feira (29), que a Fundação Cultural Palmares retire do site oficial, imediatamente, dois artigos que fazem críticas e desqualificam a figura de Zumbi dos Palmares – símbolo da luta negra contra a escravidão que dá nome à entidade.

A decisão é da juíza federal Maria Cândida Almeida, da 9ª Vara Federal do Distrito Federal, e estabelece pena de R$ 1 mil por dia de descumprimento.

Os artigos foram publicados no site da Fundação Palmares a pretexto de comemorar o aniversário da Lei Áurea, editada em 13 de maio de 1888. Apesar disso, os textos fazem críticas à figura de Zumbi e buscam desconstruir a ideia do ex-escravo como um líder.

O questionamento dos artigos foi feito pelos deputados Túlio Gadêlha (PDT-PE), Benedita da Silva (PT-RJ), Áurea Carolina (PSOL-MG) e Bira do Pindaré (PSB-MA). No processo, o grupo afirma que os artigos “sequer foram publicados oficialmente em revistas reconhecidas no meio acadêmico”.

Os parlamentares também defendem que os textos “quebram os parâmetros da moralidade” porque afrontam o próprio motivo de criação da Fundação Palmares, voltada ao resgate dos valores da influência negra no país.

A entidade foi criada por lei, antes mesmo da Constituição Federal de 1988, e é atualmente presidida por Sergio Camargo. Em redes sociais, o jornalista já relativizou temas como a escravidão e o racismo no Brasil (relembre abaixo).

Em redes sociais, Camargo disse que Zumbi é “herói da esquerda racialista; não do povo brasileiro. Repudiamos Zumbi!”.

Na decisão, a juíza federal afirmou que a preservação dos valores da cultura negra é uma finalidade da instituição e que, com os artigos, a Fundação Palmares estaria descumprindo o próprio papel.

“Não se está aqui a fazer juízo de valor sobre os posicionamentos pessoais dos autores que reduzem o movimento negro à ‘luta esquerdista’. Porém, a instituição federal cuja finalidade é a preservação dos valores resultantes da influência negra, ao fechar os olhos às diferenças raciais, descumpre seus deveres institucionais e sobretudo seu dever – como ente estatal – de respeitar o direito à identidade dos cidadãos”, diz a juíza.

“O espaço não precisa ser de consenso, mas precisa existir. Caso contrário, se a Fundação Palmares simplesmente refutar a raça, a identidade, a consciência e a cultura negras, a quem a pessoa negra que, em razão de sua tez, se sentir oprimida, furtada de oportunidades, poderá acudir?”, prossegue.
Na decisão, a juíza Maria Cândida Almeida afirma que não cabe à Justiça fazer “revisão acadêmica dos textos em questão, nem estudo bibliográfico sobre os fatos históricos comprovados acerca da vida de Zumbi dos Palmares”. Segundo ela, esse papel é da universidade.

Apesar disso, a magistrada afirma que as publicações têm, em comum, “questão juridicamente relevante, consistente na explícita desconsideração da raça, cultura e consciência negras”.

Ela diz ainda que “a Fundação Cultural Palmares, ao promover a sua divulgação em seu sítio institucional, adere ao posicionamento manifestado por seus autores.”

A publicação dos textos também foi questionada na Justiça Federal pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. O Ministério Público Federal classificou a publicação como um ato “desleal à Fundação Cultural Palmares, [que] atenta contra o princípio central da administração pública, que é a legalidade, e é moralmente abjeto”.

Outras polêmicas
A nomeação de Sergio Camargo para a presidência da Fundação Palmares ocorreu em novembro de 2019 e causou uma onda de reações. O motivo é uma série de publicações, nas redes sociais, em que o jornalista relativiza temas como a escravidão e o racismo no Brasil.

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Numa publicação antes de ser nomeado para o cargo, o jornalista classificou o racismo no Brasil como “nutella”. “Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda”, afirmou.

Ele também postou, em agosto de 2019, que “a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes”. “Negros do Brasil vivem melhor que os negros da África”, completava a publicação. (G1)

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