ARTIGO | A influência do Judiciário nas conquistas da Comunidade LGBTQIA+*

O mês de junho é historicamente e mundialmente comemorado como o mês do Orgulho LGBTQIA+. O movimento que teve início em um bar em Nova Iorque, 53 anos atrás, tem muitas histórias de lutas e conquistas ao longo desses anos, e especialmente no Brasil, as lutas e conquistas – que ainda não são muitas perto do que poderia ser – tem um aliado muito valioso, o Judiciário.

Não é novidade a omissão do Legislativo quando a pauta é a criação de políticas afirmativas direcionadas à comunidade LGBTQIA+, sendo que todas as conquistas obtidas tiveram participação direta do Judiciário, que apesar de não ter o poder de legislar, se viu incumbido de suprir a lacuna legislativa, viabilizando à toda comunidade a garantia do pleno exercício de direitos previstos constitucionalmente.

Um exemplo emblemático desse tipo de atuação do Judiciário, foi o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, ocorrido em maio de 2011, que em decisão histórica, o STF equiparou a união estável homoafetiva à heteroafetiva.

A partir desse marco histórico, o Judiciário ainda contribuiu de diversas outras formas ao longo desses anos. Podemos citar exemplos como a criminalização da LGBTfobia, ocorrida em junho de 2019, em que o STF supriu mais uma lacuna criada pela omissão histórica do Legislativo, garantido mais uma vez direito fundamental à comunidade.

Ainda exemplificando as formas de colaboração do Judiciário, recentemente o STJ decidiu que a Lei Maria da Penha é aplicável também à violência cometida contra mulheres transexuais. E aqui, não poderia deixar de citar a brilhante fala do Relator do caso, Ministro Rogerio Schietti Cruz:

“Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”.

Não obstante a omissão do Legislativo, é importante observar que o Judiciário também tem atuado em favor da comunidade LGBTQIA+ no combate a omissão do Executivo. Nessa toada, há diversas decisões dos Tribunais Estaduais para suprir a omissão estatal.

No início desse mês de junho, o Juiz Herley da Luz Brasil, da 2ª Vara Federal Cível e Criminal do Acre, determinou que o IBGE inclua campos sobre orientação sexual e identidade de gênero no Censo de 2022. Em sua decisão, o magistrado aponta a omissão do Estado em relação a população LGBTQIA+, ratificando que o Censo 2022 é a ferramenta que permite traçar um retrato abrangente, detalhado e fiel do país.

O julgador sustentou que “Negar à população LGBTQIA+ brasileira a participação no censo de 2022 – por imposta invisibilidade – é, sem dúvida, negar a sua própria dignidade enquanto seres humanos, tendo em vista que, sob o manto da invisibilidade censitária (como estão há muitas décadas), se dificultam as políticas públicas voltadas a coibir a violência e discriminação desse público”.

Na mesma linha de raciocínio, a 15ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Ação Civil Pública nº 1063607-10.2020.8.26.0053, deferiu o pedido liminar, determinando a inserção de campos “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos sistemas RDO, Boletins de Ocorrência e Infocrim. A liminar chegou a ser cassada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contudo, o efeito positivo da ACP foi que o Estado de São Paulo e a Defensoria Pública firmaram acordo que prevê a inserção de campos para classificação de identidade de gênero e orientação sexual, bem como outras medidas favoráveis a comunidade LGBTQIA+.

Fato é que o Judiciário, dentro dos seus limites de atuação, tem colaborado positivamente em favor da comunidade LGBTQIA+, seja resguardando direitos constitucionais que o Legislativo se omite em legislar, possibilitando o exercício regular deles, seja em suprir omissão estatal com a falta de políticas afirmativas, fazendo a máquina estatal se movimentar no atendimento das necessidades sociais dessa parte da população.

*Camila Andrade: Advogada no Vigna advogados. Responsável pela área de Auditória de Prazos e Procedimentos – APP.

*Tamires Costa: Advogada civilista. Coordenadora Jurídica em Direito Bancário no Escritório Vigna Advogados Associados. Graduada pela Universidade Nove de Julho em 2012. Pós-graduada em Direito Tributário, Direito Processual Civil e Direito Bancário.

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