Em Brasília, povos do médio Xingu cobram cumprimento de condicionantes de Belo Monte para saúde indígena e proteção territorial

Caciques e lideranças das terras indígenas afetadas pela hidrelétrica ainda cobram da Funai, da Sesai e da Norte Energia compromissos assumidos antes do início da obra

Caciques e lideranças de doze Terras Indígenas (TIs) da região do médio Xingu, no Pará, estão em Brasília para cobrar o cumprimento de condicionantes impostas para a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) Belo Monte, que gerou diversos impactos sociais, culturais e ambientais em seus territórios e comunidades.

Uma década depois do início da obra e cinco anos depois do início das operações da usina, os povos indígenas da região ainda aguardam a efetivação de medidas voltadas à saúde indígena e à regularização e proteção de seus territórios. As reivindicações dos indígenas são voltadas especialmente à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Consórcio Norte Energia, responsável pela construção e operação de Belo Monte.

A comitiva da articulação indígena do médio Xingu é composta por caciques e lideranças dos povos Assurini, Araweté, Parakanã, Xipaya, Curuaya, Arara, Arara da Volta Grande, Juruna, Kayapó e Xikrin. A delegação tem representantes das TIs Koatinemo, Araweté Igarapé Ipixuna, Apyterewa, Arara, Kararaô, Cachoeira Seca, Xipaya, Kuruaya, Trincheira Bacajá, Arara da Volta Grande, Paquiçamba e Juruna do Km 17.

“Está sendo complicado mantermos nossos povos em isolamento na pandemia, uma vez que a assistência não chega e as condicionantes não estão sendo cumpridas, nem por parte da Norte Energia, nem por parte da Funai, que é um órgão que está deixando de dar assistência às comunidades indígenas. Estamos em busca de melhorias para os povos do médio Xingu. Queremos ser ouvidos”, explica Leo Xipaya, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) de Altamira e cacique da aldeia Cujubin, na TI Cachoeira Seca.

Frontalmente questionada pelos povos indígenas e comunidades tradicionais desde o início de seu licenciamento, Belo Monte foi alvo de mais de 20 ações civis públicas do Ministério Público Federal (MPF), devido ao desrespeito do direito de consentimento livre, prévio e informado das populações tradicionais afetadas pela obra. Em um dos processos, o órgão aponta que a construção da hidrelétrica resultou numa ação etnocida contra os povos indígenas da região.

Saúde indígena

Os povos impactados pela hidrelétrica cobram a efetivação, por parte da Sesai e da Norte Energia, das condicionantes ligadas à reestruturação do atendimento à saúde indígena pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Altamira, que atende as comunidades da região. Diversas medidas, foram previstas ainda na Licença Prévia concedida pelo Ibama para a construção de Belo Monte, em 2010.

Os indígenas que vivem na região denunciam a falta de profissionais, de infraestrutura adequada, de meios para o transporte de pacientes e até a falta de água potável nas aldeias da região. Impossibilitados de consumir a água do rio após a construção da usina, os povos denunciam até a falta de combustível para os motores que operam os poços artesianos nas aldeias do médio Xingu. Além disso, as lideranças exigem mais transparência e participação de seus representantes e da própria Sesai nas ações sob responsabilidade do consórcio.

“Nenhuma das 48 condicionantes específicas para a saúde indígena foi entregue em sua íntegra. Algumas estão pela metade, outras estão estacionadas, e agora se usa a pandemia como desculpa para que não sejam feitas”, critica José Cleanton Ribeiro, da coordenação do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Norte 2, equipe de Altamira.

Na segunda-feira (10), a comitiva de lideranças foi recebida pelo secretário da Sesai, Robson Santos da Silva. Representantes do Consórcio Norte Energia também participaram da reunião, à distância, mas não se comprometeram com a proposta dos indígenas, de assinar um termo de compromisso para o cumprimento das ações de saúde previstas no Componente Indígena do Plano Básico Ambiental (PBA-CI) da UHE Belo Monte.

A Sesai se comprometeu a produzir, junto com as lideranças e o Dsei, um documento sistematizando prioridades e prazos para o cumprimento das condicionantes relativas à saúde indígena e buscar um acordo com a concessionária, para garantir a participação e o acompanhamento efetivos dos indígenas e do próprio Dsei na execução das atividades previstas. Caso não se consiga chegar a um acordo, o secretário não descarta a judicialização do tema.

“O que couber à Sesai, a gente vai endireitar. E o que couber à Norte Energia, me parece que está faltando um entendimento e uma pactuação melhor, mais robusta, pois está muito pontual”, garantiu o secretário. “Se não resolver, teremos que judicializar”.

O documento com a sistematização de prioridade e prazos deve ser concluído e assinado entre os indígenas e a Sesai na manhã desta sexta-feira (14). Todas as lideranças que integram a delegação já estão imunizadas com a segunda dose da vacina contra a covid-19, e estão mantendo protocolos de cuidado e distanciamento durante a estadia na capital federal.

Terra e território

As quatro terras indígenas mais desmatadas da Amazônia Legal entre julho de 2019 e agosto de 2020, segundo dados do Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), estão na região do médio Xingu: as TIs Cachoeira Seca, Apyterewa, Ituna/Itatá e Trincheira Bacajá.

O licenciamento ambiental de Belo Monte previa uma série de medidas de regularização e desintrusão para as TIs Apyterewa, Cachoeira Seca, Arara da Volta Grande, Paquiçamba e Juruna do Km 17, mas as medidas não foram totalmente efetivadas.

A desintrusão da TI Cachoeira Seca ainda não foi iniciada e, na TI Apyterewa, a interrupção da retirada dos não indígenas acirrou conflitos. Praticamente todos os territórios da região sofrem com a pressão de madeireiros, garimpeiros e grileiros.

“As invasões têm crescido muito, pois os invasores se sentem protegidos pelo atual governo, que prega um discurso anti-indígena. E Belo Monte tem sua parcela de contribuição para isso, por não ter cumprido as condicionantes de desintrusão das terras indígenas, o que deveria ter sido feito antes de iniciar o funcionamento da hidrelétrica”, avalia Cleanton Ribeiro.

“A Norte Energia não está cumprindo com os planos que foram feitos para que se construísse a hidrelétrica”, critica Lídice Juruna, professora na aldeia Terrawangã, na TI Arara da Volta Grande do Xingu. “São nossos direitos. A gente não está pedindo, a gente está exigindo o que é nosso. Foram na nossa casa e mexeram nela. Não demos autorização, a gente foi coagido a aceitar. E agora está aí, foi construído, e a gente está sofrendo”.

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