CasaCor Bahia será inaugurada em vários locais de Salvador nesta quinta-feira

Passo miúdo, quase sem erguer os pés, Sizininha Simões, 91 anos, dirige-ao quarto que abriga artigos pessoais do falecido marido e centenas de recortes de jornais, recibos de pagamento, fotografias. Uma vasta documentação de suas sete décadas de trabalho em decoração.

Antes de adentrar o aposento, gira parcialmente a cabeça e aponta com a mão esquerda uma das janelas do apartamento no Farol da Barra. Menciona que se pode ver dali o contêiner decorado por Davi Bastos, parte dos atrativos da Casacor Bahia, que começa na próxima quinta, 12, com o tema Janelas.

“Em um contexto de limitação da convivência, as janelas são o lugar onde você consegue se comunicar com o mundo”, diz Carlos Amorim, responsável desde o ano passado pela franquia na Bahia.

A mostra acontece em sete ambientes da cidade e poderá ser vista até 12 se dezembro. “A Casacor tem que estar presente de forma sensorial. Tem que estar perto do seu público. Refugiar-se em um ambiente virtual seria frustrante, tanto para quem faz quanto para quem aprecia”, declara Amorim.

Ele vê a Casacor também como uma oportunidade de as pessoas se aproximarem do Centro de Convenções de Salvador: “É um espaço belíssimo que teve que ser fechado logo depois da inauguração por causa da pandemia”.

O evento conta com a participação de nomes consagrados da arquitetura e da arte, como Vik Muniz, que está fixando residência em Salvador. Como homenagem a sua nova cidade, o artista elaborou uma réplica do Elevador Lacerda, que dialoga com o trabalho de Davi Bastos, um redário, com quatro redes cor de areia, tudo tipicamente soteropolitano. “É um simbolismo, um conceito sobre o que somos”, pondera Amorim.

Também participam da Casacor Bahia nomes como Ana Paula Magalhães, Dinah Lins, Wesley Lemos, Caio Bandeira, Tiago Martins e o escritório TRPC, dentre outros.

Carlos Amorim gosta de assinalar que são outros tempos. Não faz mais sentido manter em casa um ambiente ocioso, como a tradicional sala de visitas, que só era utilizada quando alguém conhecido gritava lá de fora: ô de casa!

Home office

Atualmente, sobretudo depois da intensificação do home office, é preciso dar boa utilização a todos os espaços. “O banheiro, por exemplo, tende a ter mais equipamentos, pois deve passar a ser o único ambiente de solidão. Você vai para a sala, por exemplo, e seu filho está fazendo dever de casa”.

Por isso, o coordenador da mostra acredita que o Espaço Deca, voltado para esse recinto, ganha importância maior no contexto da pandemia.

“No futuro, a pessoa que faz home office vai ver o banheiro cada vez mais como um refúgio. Se a pessoa se refugia até agora na casa, no celular, o último refúgio vai ser o banheiro”.

Ao pensar na reutilização de espaços para a Casacor, Dinah Lopes decidiu montar uma sala de estar adaptada para as lives. É a homenagem que faz aos artistas, uma das classes profissionais mais prejudicadas com a quarentena.

A artista escolhida para estrelar seu projeto na Casacor foi Daniela Mercury. “É uma mulher forte, culta, que representa bem a diversidade na família”, justifica.

Ambientes que abraçam

Em sua segunda participação na Casacor, o escritório TRPC volta com o conceito de loft do colecionador, sempre ancorado nas artes, essência do grupo formado através de amizade e afinidades. “A arte é muito importante no nosso trabalho. Dessa vez, estamos usando muita cor, plantas. É um espaço limiar. Meio quarto, meio living, meio varanda, meio sala”, assinala o arquiteto Tiago Schultz, que também é professor de história da arte.

Ele foi professor de Beto Vilela, de quem se tornou amigo e posteriormente sócio, junto com Vanessa Sampaio e Cecília Miscow. O trabalho do escritório pode ser apreciado no Centro de Convenções de Salvador, na Boca do Rio.

Já Caio Bandeira e Tiago Martins optaram por colocar um contêiner de ponta-cabeça e obter um pé-direito, como os arquitetos se referem ao espaço vertical do ambiente, de seis metros. “Parece uma catedral, é um espaço de refúgio, para respirar melhor”, descreve Carlos Amorim.

No aeroporto, a designer Bruna Oliveira montou a Janela do Viajante, um quarto à beira-mar que remete à sensação de proximidade entre a moradia e as atrações da cidade visitada.

Pioneira

No projeto que está sendo montado em homenagem à pioneira do design de interiores na Bahia, Ana Paula Guimarães mantém sua predileção por matérias provenientes da natureza, como pedras naturais, linho, couro e madeira. “Além da beleza e facilidade de manutenção, dão aconchego ao ambiente e são mais confortáveis ao uso, principalmente nesse clima quente e úmido que vivemos. Já pensou sentar num sofá de poliéster nesse calor?”, explica.

Sobre os projetos de design de interiores que devem emergir no pós-pandemia, Ana Paula Magalhães considera que novos questionamentos vêm sendo feitos e o foco maior vai ser viver e trabalhar em espaços arejados e mobiliário multifuncional, com facilidade de manutenção.

“Luxo, para mim, é poder ter um espaço que seja desejável e que abrace o usuário. Já pensou a delícia de sair de casa com saudades e chegar no trabalho com prazer, tudo isso por conta do ambiente?”, diz.

Ana Paula Magalhães considera que o desafio para os profissionais de design de interiores em relação ao pós-pandemia apenas está apenas começando. “Como todo o mundo, a comunidade científica aí incluída, ainda estamos aprendendo a lidar com essa sensação de insegurança e vulnerabilidade que sair de casa nos traz”, declara.

Ela ressalta que a casa terá que ser adaptada aos novos tempos. “Questões de higiene serão sempre muito importantes, mas no momento atual entrar em casa sem uma higiene prévia é quase um pecado, pois, diante de tudo que vem acontecendo, o salutar hábito de lavar as mãos, tão cobrado pelos nossos pais, nunca foi tão necessário, além de ser a única unanimidade na conduta preventiva”, afirma.

Admiração

Sobre Sizininha, a arquiteta destaca que a pioneira é uma referência em vida: “Não só pela proximidade das áreas de atuação, mas pela admiração imensa que tenho por ela como ser humano, de como se reinventou diversas vezes e foi uma grande divulgadora do trabalho do profissional que atua na área de interiores”.

Sizininha, que parou de trabalhar completamente apenas no ano passado, diz que vai sair do seu apartamento para ver o evento. Afinal, se sente um pouco asfixiada. Não porque as janelas estão fechadas para protegê-la do vento que se choca com a vidraça, no começo da noite de uma chuvosa terça-feira. Mas porque está impedida de sair de casa por conta da pandemia.

A homenageada está em outra vibe. Mexe em cada gaveta do quarto à procura de papéis. Olhos arregalados, sem óculos, voz baixa mas firme, ela conta trechos de sua trajetória profissional entremeados pela busca de registros, especialmente o recorte de uma edição de A TARDE de 1º de outubro de 1995, que mostra o sucesso de um outdoor-vitrine criado para valorizar profissionais da decoração. “Mas o que você quer saber, mesmo?”, questiona de vez em quando, enquanto mexe nas pastas.

A história da pioneira da decoração na Bahia começou com janelas. Um empresário amigo da família queria comprar cortinas e descobriu que ninguém produzia esse artigo na Bahia. A jovem, que estava em busca de uma forma de sustento, ofereceu-se para aceitar a encomenda. Acabou inaugurando uma tradição que hoje celebra o seu nome. “Eu fiz um rebuliço nessa Bahia”, diverte -se.
() Foto: Raphael Müller/ Ag. A TARDE

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