Multiparentalidade: a possibilidade da múltipla filiação *

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconhece desde 2016, pelo provimento número 63, a existência da multiparentalidade ou o parentesco socioafetivo que se caracteriza como o reconhecimento de uma pessoa que não é o pai ou mãe biológica da criança, mas criou um laço afetivo com ela devido à convivência.

No Brasil, podemos pegar como exemplo a multiparentalidade no caso de um padrasto ou madrasta, um tio, ou até mesmo um amigo, que tem relação socioafetiva com determinada criança e identifica-se como pai ou mãe dela.

O estopim para essa decisão do CNJ foi na Paraíba a partir de uma ação que reconheceu o vínculo sociofetivo de uma criança criada por um casal que tinha falecido. Na ocasião, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que eles eram pais dessa criança e, então, ela teria direitos sucessórios nos bens, ou seja, direito à herança deles. A partir dessa decisão, o CNJ editou o provimento número 63 em 2016, autorizando os cartórios de todo o Brasil a reconhecerem extrajudicialmente estas relações.

Nesse tipo de reconhecimento, é inserido na certidão de nascimento, além dos nomes dos pais biológicos, o nome da pessoa que também é considerada pai ou mãe dessa criança.

No entanto, essa decisão gerou polêmica, uma vez que todos enquadrados nesse direito poderiam ir aos cartórios fazer esse reconhecimento, independentemente da idade dos filhos. Entre 2016 e 2019, mais de 44 mil pessoas tiveram nome de um segundo pai ou mãe inseridos na certidão de nascimento.

A partir de 14 de agosto do ano passado, com o provimento número 83, o CNJ junto com Ministério Público inseriu algumas regras para esse tipo de situação e agora não se pode mais reconhecer extrajudicialmente filhos sociofetivos menores de 12 anos. Para a Justiça, com a idade de 12 anos a criança já entende o que é um pai e mãe. Além disso, também é preciso demonstrar para a sociedade que essas pessoas vivem numa situação de pai e filho ou mãe e filho, por meio de foto de aniversários juntos, de passeios, entre outras ações.

Esse tipo de reconhecimento também acontece para casal homossexual. Por exemplo, um deles teve filho fruto de um casamento heterossexual, mas a relação não deu certo e essa pessoa casa-se novamente, mas com um outro homem que tem convívio e ligação afetiva com a criança. É possível fazer esse reconhecimento como outro pai da criança.

Apesar da Justiça ainda não ter determinado claramente a questão da divisão da herança na multiparentalide também está incluído a questão inversa, ou seja, quando o filho falece primeiro, o ascendente tem direito a herança até o fim. Outro fato importante é que os avós e irmãos ainda não estão incluídos nesse reconhecimento de situação de pai ou mãe.

Portanto, esse direito é legítimo para quem convive com uma criança e tem uma relação socioafetiva e uma afinidade com ela há um bom tempo. É bem diferente da adoção em que a criança não tem pais biológicos vivos ou em condições de dar os devidos cuidados a ela. Na adoção, o processo é muito mais complicado e não há convivência com a pessoa que o deseja adotar. Além disso, ao término do processo de adoção, a criança herda o sobrenome dos pais adotivos, assim como a certidão de nascimento inclui apenas o nome dos pais adotivos.

*Dra. Catia Sturari é advogada especializada em Direito de Família, atuando há 12 anos na área. Formada pela IMES (Hj, USCS), em São Caetano do Sul, atualmente cursa pós-graduação em Direito de Família pela EBRADI. Condutora do programa Papo de Quinta, no Instagram, voltado às questões que envolve o Direito de Família, também é palestrante em instituições de ensino e empresas e é conhecida pela leveza em conduzir temas difíceis de aceitar e entender no ramo do Direito de Família.

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