Câmara celebra os 222 anos da Revolta dos Búzios

Em comemoração aos 222 anos da Revolta dos Búzios e para marcar o Agosto Negro, além do lançamento da cartilha de 40 anos da Marcha da Consciência Negra Zumbi-Dandara, a Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Salvador, em parceria com a Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), promoveu um ato político, conduzido pela vereadora Marta Rodrigues (PT), na tarde de quarta-feira (12). O evento foi transmitido pela TV e Rádio, portal, e redes sociais da Câmara.

“Este é um momento histórico para todos nós, um marco de reflexões sobre a importância e a representatividade da Revolta dos Búzios na luta por igualdade e liberdade da população negra. É preciso reafirmar toda essa nossa história para os homens negros e mulheres negras de Salvador”, enfatizou Marta Rodrigues, diretora da Escola do Legislativo Péricles Gusmão Régis.

Contexto histórico

“Animai-vos, povo bahiense, que está para chegar o tempo feliz da liberdade. O tempo em que todos seremos irmãos. O tempo em que todos seremos iguais!”. Assim iniciou o emblemático dia 12 de agosto de 1798, dia da Revolta dos Búzios, ou Revolta dos Alfaiates, movimento liderado por negros baianos, com diversos manuscritos espalhados por prédios políticos clamando pelo fim da escravidão, redução de impostos e a luta por uma democracia.

Os mentores da manifestação(João de Deus do Nascimento, 38 anos; Lucas Dantas de Amorim Torres, 24 anos; Manuel Faustino Santos Lira, 18 anos; e Luís Gonzaga das Virgens e Veiga, 36 anos) tiveram seus nomes inscritos no Livro de Aço dos Heróis Nacionais em 4 de março de 2011, depois de 200 anos após suas mortes, através da Lei n° 12.391, pela então presidente Dilma Rousseff. Antônio José não teve seu nome registrado nesse livro, mas foi uma das peças fundamentais do movimento. Preso em 28 de agosto de 1798, foi encontrado morto no dia seguinte em sua cela com sinais de envenenamento.

“No dia 7 de novembro no ano de 1799, o Tribunal da Relação, em sua sentença sobre os homens negros que conspiraram em 1798, os declarou como infames para sempre, incluindo suas memórias, de seus filhos e netos. Mas eles foram derrotados, porque hoje, 222 anos depois, estamos comemorando, com muita alegria, a luta desses guerreiros, homens e mulheres que guerrearam para um mundo melhor” declarou o cineasta Antonio Olavo.

Para o cientista político Roque Peixoto, as esferas do racismo só têm aumentado. Ele citou o caso de Otávio Santana da Silva, de 5 anos, criança que caiu do 9º andar de um prédio, em Recife (PE), após sua mãe deixá-lo com a patroa Sari Corte Real. “Os negros são mal vistos, porque usam um boné e short dentro de um shopping. É criança caindo de edifício porque a patroa não teve paciência com o filho da preta. Tudo isso me faz compreender que nesses 222 anos avançamos muito, mas parece que não saímos dos anos de 1879, 1822, 1889…”, comentou.

Hamilta Queiroz, do Fórum em Defesa das Creches e Escolas Comunitárias, complementa: “Ainda precisamos de muitas Revoltas dos Búzios, que os negros não tenham medo e sim coragem de combater essa falta de respeito, porque os males ainda continuam. Temos que criar estratégias para sair deste lugar que estamos”.

Diulice Vitório, dirigente da Associação Cultura Manuel Faustino, ressalta que o momento é muito importante para a entidade, que completou cinco anos realizando atividades em valorização e memória da cultura negra. “É uma luta, temos que ser fortes, firmes, porque em todos os momentos o sistema opressor quer nos calar, assim como tentaram calar aqueles líderes que lutaram e deram suas vidas pela liberdade, mas somos exemplos vivos que não conseguiram. Este é um momento em que nos fortalecemos e nos guiamos pelos ideais de Búzios” frisou.

Agosto Negro

“Falar do Agosto Negro e da Revolta dos Búzios como referências é um pensamento panafricanista, que foi um processo de libertação da África. O Agosto Negro foi um movimento que surgiu nos Estados Unidos na década de 70, na luta contra o racismo e a repressão nas prisões da Califórnia, onde estavam homens negros, alguns deles condenados à prisão perpétua. A Revolta dos Búzios aconteceu reivindicando o fim da escravidão, 90 anos antes da falsa abolição de 1888, que quando a gente nega, ainda tem historiadores para contestar. O que conquistamos até hoje foi fruto de nossas lutas no mundo inteiro, é uma data referencial para nós” ressaltou Gilberto Leal, representante da Conen.

A professora Edenice Sant’Ana, do Núcleo Cultural, destacou a atuação feminina no Agosto Negro e na Revoltas dos Búzios. “Peço licença aos heróis, para reafirmar também à presença da mulher nesses movimentos de luta, resistência e ousadia. Nós todos temos que continuar lutando e ter orgulho de nossa história”, enfatizou.

A produtora da Associação Cultural do Reggaer, Jussara Santana, reafirma a fala de Edenice: “A gente não pode falar da Revolta dos Búzios sem falar da importância das mulheres nesse contexto histórico. Não existe luta que a mulher não esteja presente”.

Cartilha – Durante o ato, houve o lançamento da cartilha da Conen. “Nesse trabalho, se a gente consegue trazer a história a partir do olhar de cada pessoa, isso é fundamental para o nosso crescimento”, disse Marta.

“Essa cartilha é muito bem produzida, é um projeto coletivo de 2019. Estamos apresentando resultados, memória e história. Nós optamos por falar de nossas histórias com os problemas presentes, buscando as raízes e indicações do passado”, afirmou a historiadora Gevanilda Santos.

“Esse projeto é o reconhecimento de nossos heróis e heroínas que se propõe a trazer fatos históricos. Quem ler, vai perceber que a marcha está sempre atualizada com a conjuntura da luta. O 20 de novembro vai fazer referência ao 13 de maio, onde negros foram jogados nas ruas sem um amparo. Para nós, isso nunca foi liberdade. O dia que acreditamos ser um dia de luta é o dia de Zumbi-Dandara”, enfatizou o historiador Cristiano Lima.

“A Cartilha é um instrumento didático, onde poderemos trabalhar com os jovens negros dentro das escolas para que possam conhecer um pouco a história do nosso povo. É necessário que a gente conheça esse passado e milite dentro dele”, pontuou a professora Rosana Bezerra Lima. Para Antonio Capilla, do Sindicatos dos Trabalhadores de Serviço Público Federal, a cartilha vai estimular as escolas públicas na implantação das leis nº 10.639 e nº 11.645.

Os artistas Makonnen Tafari, rapper do grudo Hip Hop Nova Saga, França Mahin (poeta, ator e bailarino) e a cantora Liu, participaram do ato.

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