Em vídeo, delegado vítima de injúria desabafa: “Vivemos um racismo estrutural e não poderia me calar”

“Estou muito consternado com a situação e não poderia me calar nesse momento, pelas minhas filhas, meus pais, meus irmãos e todos os que acompanham minha trajetória. Não falo como delegado, profissão que consegui com muito esforço e trabalho. Mas relato, aqui, que vivemos um racismo estrutural, que está inserido em todas as classes sociais.” Esse é o desabafo do delegado Ricardo Viana (veja vídeo ao fim da matéria), chefe da 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro), vítima de racismo na noite de sexta-feira (7/8). O acusado, um morador do Lago Sul, de 34 anos, está preso e passará por audiência de custódia.

Ricardo Viana tinha chegado em casa, após o trabalho, quando chamou a filha, de 15 anos, para ir a uma unidade da rede de fast food McDonald’s, na QI 23 do Lago Sul. “Como a fila do drive-thru estava grande, decidimos entrar no estabelecimento. No local, nós pagamos e minha filha se sentou em uma das mesas. Para encontrá-la, tive de passar por um indivíduo, que estava no balcão, sem máscara. Apesar disso, não disse nada em relação a isso. Passei e perguntei à minha filha qual era nossa senha, momento em que esse indivíduo me empurrou, me chamou de ‘macaco'”, conta.

Clientes tentaram intervir em meio à confusão, mas não conseguiram. “Minha filha ficou muito consternada, e eu queria sair dali, até para poupá-la desse incidente. Pedi aos funcionários para apressarem o meu pedido, o que foi feito. E o indivíduo prosseguiu me xingando, enquanto as pessoas tentavam ajudar. Quando saía, o indivíduo me chamou novamente de ‘macaco’, e disse que não passasse por ele novamente, pois iria me ‘pegar'”, relembra.

O delegado relata que, “naquela hora, refletiu bastante sobre o ato”. “Não estava agindo como policial, mas como cidadão. Mas, foi então que me virei, identificando-me como delegado e dei ordem de prisão. Ele resistiu e conseguiu sair correndo da lanchonete. Ele foi detido posteriormente por uma equipe da Polícia Militar que prestou apoio.”

O caso foi registrado na 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul). O morador do Lago Sul foi preso em flagrante por injúria racial, ameaça, vias de fato, injúria e porte de drogas. Em nota oficial, a franquia do McDonald’s esclareceu que repudia o crime ocorrido no estabelecimento e que está à disposição para auxiliar nas investigações.

Ferida tocada
Ainda no relato, o delegado Ricardo Viana frisa que decidiu denunciar e divulgar o caso como exemplo. “Hesitei muito em gravar esse vídeo. Mas como negro, afrodescendente, filho de afrodescendentes nordestinos, sendo crescido e criado aqui no Distrito Federal, decidi informar sobre o caso. Eu convivo com o racismo estrutural desde menino, e inclusive, recebi apelidos pela minha cor. E cada vez que conseguimos algum espaço na nossa sociedade, essa ferida é tocada”, diz

“Eu não poderia me calar nesse momento, em nome dos meus parentes afrodescendentes, que sofreram durante a escravidão. Estou aqui lutando pelo meu direito pela igualdade, previsto na Constituição. Eu exijo respeito, não só a mim, mas aos meus familiares e a todos os negros que ajudaram a construir a história dessa nação”, frisa Ricardo. (CB)

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