Por medo do coronavírus, pessoas se recusam a sepultar idosa em Canudos

Dois agentes funerários passaram por uma situação inusitada após transportar o corpo de uma idosa de 81 anos, vítima de covid-19, de Salvador para Rosário, distrito de Canudos. Na madrugada da última sexta-feira, ao chegar no cemitério, não havia coveiro disponível – a cidade conta com coveiros voluntários,que, no caso, são os moradores e estes não quiseram correr risco. Também não tinham membros da família presentes. O enterro teve que ser realizado pelos próprios funcionários da funerária.

“É a primeira vez que passei por essa situação. A gente tinha feito uma viagem cansativa, ida e volta são quase 800 quilômetros. Nos sensibilizamos e fizemos um trabalho que não era nosso”, disse José Silva, dono da funerária Pax Monte Sinai, que fez o trabalho com o funcionário Ricardo Teixeira.

A idosa não teve o nome divulgado pela família e estava internada no Hospital Roberto Santos para tratar de outra doença, quando contraiu o coronavírus e veio a óbito. O corpo deixou Salvador no início da noite da sexta e chegou no cemitério depois da meia-noite. Sua única filha teve que permanecer na capital baiana, pois também contraiu o vírus “Não encontramos ninguém na rua que nos indicasse o caminho do cemitério, que fica há uns dois quilômetros da comunidade”, disse Silva. Sua sorte foi que um pastor se sensibilizou e indicou o percurso.

Josy Ribeiro, 43, sobrinha da vítima, agradeceu ao trabalho: “Não há dinheiro que pague. Eles fizeram o enterro a noite e no escuro. Os dois estavam sozinhos, mas acompanhados por Deus”.

Ela explicou que existem familiares da idosa que moram no povoado, mas não quiseram participar do sepultamento, pois também estavam com medo de serem contaminados. “Ouvi relatos de pessoas que estavam tremendo de medo. De certa forma, entendo essa situação, esse pavor do desconhecido”, disse.

Prefeitura
A secretaria de saúde de Canudos informou que o cemitério em questão é administrado pela própria comunidade do Rosário e não pela prefeitura, que também não mantém coveiros no local. “O município foi informado na sexta-feira à noite desse episódio. Para tanto, não houve tempo para deslocar uma equipe que acompanhasse o sepultamento”, disse a secretária Chirleide Ferreira. Ela informou que o município está se adequando para esse tipo de situação.

Morador do Rosário, o vereador Daniel Cesar (PSB) disse que, quando morre uma pessoa na comunidade, na maioria dos casos, as pessoas fazem o trabalho de coveiro de maneira voluntária. “Só que a comunidade não tem esse tipo de roupa adequada. Por isso, até abriram a cova mais cedo, mas não ficaram para fechar. Antigamente, tinha alguém contratado pela prefeitura para cuidar do cemitério, mas agora não tem mais”, disse.

A Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) possui um Plano de Manejo de Óbitos, que exige os seguintes equipamentos para os agentes de sepultura: protetor solar; calçado de segurança tipo Bota de Borracha, que protege contra a umidade e produtos químicos; luvas de procedimento; óculos de segurança; macacão impermeável e máscara.

Sem mortes
Com pouco mais de 15 mil habitantes e localizada no nordeste da Bahia, Canudos tem 12 casos de coronavírus confirmados pela vigilância epidemiológica do município e nenhuma morte. O caso em questão não foi registrado pelo boletim epidemiológico do município. “Ela deu entrada no hospital de Euclides da Cunha com o endereço da filha, que mora lá”, explicou Bianca Lubarino, da Vigilância Epidemiológica.

Mesmo assim, a família confirmou que a vítima morava no distrito do Rosário. “Ela morou em Euclides por muitos anos, trabalhava como empregada doméstica. Mas, quando se aposentou, foi morar no Rosário, onde nasceu, onde tinham os irmãos”, explicou Josy Ribeiro.

Ainda no Plano de Manejo de Óbitos da Sesab, o traslado de corpos está permitido, desde que os restos mortais sejam sepultados em até 24 horas da ocorrência do óbito. “A gente não pôde esperar o dia amanhecer para realizar o sepultamento, pois iriamos ultrapassar o tempo determinado. Por isso, fizemos tudo sozinhos, não tinha quem segurasse uma lanterna”, disse o dono da funerária Pax. (Correio*)

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