O voto no Senado: da urna de prata no Império ao aplicativo de celular nos tempos de pandemia

Numa pronta reação à pandemia da covid-19, o Senado brasileiro foi a primeira casa parlamentar do mundo a suspender as sessões presenciais e torná-las virtuais. Impedidos de se reunirem no Plenário, os senadores vêm trabalhando pela internet, em suas próprias casas, desde 20 de março. As votações das propostas legislativas têm sido por aplicativo de celular; os debates, por videoconferência. A primeira medida aprovada de forma remota foi o reconhecimento do estado de calamidade pública no país.

Essa foi uma grande transformação na forma de deliberação dos senadores, mas não a primeira. Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que houve uma evolução no voto parlamentar ao longo dos últimos dois séculos. Quando o Senado foi criado, em 1826, os senadores vitalícios do Império escreviam seus votos no papel e depositavam as cédulas em elegantes urnas de prata.

Eram duas urnas em forma de cálice, com 40 centímetros de altura, ornadas com imagens em alto relevo. Elas aparecem no quadro do pintor Victor Meirelles que retrata a princesa Isabel no Senado em 1871, prestando juramento ao assumir a regência pela primeira vez. Hoje as urnas de prata estão expostas no Museu do Senado e são as peças mais antigas do acervo.

Na época das urnas de prata, as votações costumavam ser demoradas. Antes de tudo, o presidente do Senado fazia a chamada, para saber quais senadores estavam presentes. Em seguida, ele destampava as urnas para mostrar que estavam vazias. Depois, os senadores, um a um, eram chamados à mesa do presidente para depositar o papel. Ele, então, retirava todas as cédulas das urnas e as contava, para verificar se o número de votos batia com o de senadores presentes. Por fim, procedia à apuração.

Em 7 de abril de 1831, dia da turbulenta abdicação de dom Pedro I, os senadores e deputados correram ao Senado para escolher os três regentes que governariam o Brasil provisoriamente. Dom Pedro II, uma criança de 5 anos, ainda não podia assumir o trono. Decidiu-se que os titulares da Regência Trina Provisória seriam eleitos em votações separadas, não em bloco. Prevendo que o processo iria durar uma eternidade, o deputado José de Alencar (CE) se afligiu. Ele (que era pai do escritor José de Alencar) pediu que não se perdesse tempo, pois o futuro do Império corria risco nesse delicado momento de vácuo de poder:

— Senhores, não estejamos a perder tempo. Se, para nomear aqueles que hão de dirigir os negócios da nação, havemos de gastar um dia inteiro, o que será de nós? Não temos Poder Executivo. Estamos em perfeita segurança? Não, não estamos. Por toda parte, nos cercam vulcões que de um momento a outro podem abrir-se para devorar-nos. Quem sabe o que estão tramando os nossos inimigos? Não durmamos. Estamos sem um poder ativo. Para o conseguirmos o quanto antes, prescindamos de tantas formalidades que nada influem e tratemos de nomear [rapidamente] um governo que nos preste segurança.

O pedido do deputado Alencar para simplificar a votação foi ignorado. Cada um dos três regentes foi mesmo escolhido separadamente, seguindo o protocolo, num arrastado processo eleitoral. Na vez do segundo regente, para desespero de Alencar, os senadores e deputados ainda tiveram que refazer todo o ritual. Isso ocorreu após se constatar que, enquanto o Plenário tinha 58 parlamentares, as urnas de prata guardavam 59 cédulas. O mais provável é que, por descuido, uma cédula da votação anterior tenha ficado numa das urnas.

Fonte: Agência Senado

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