Casos de sífilis em Salvador cresceram 40% no ano passado

A cada dia, dez pessoas, em média, são diagnosticadas com sífilis em Salvador. A doença, que já foi apontada como uma ‘vingança dos americanos contra os europeus’, por ter se espalhado no continente a partir do final do século XV, continua se multiplicando em grau de epidemia mais de 500 anos depois. No ano passado, o número de novos casos da doença cresceu 40% em Salvador, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Foram 3.625 novos diagnósticos em 2019, contra 2.582 em 2018. De acordo com o Ministério da Saúde, Salvador ocupa a 6ª posição dentre os 100 municípios que respondem por cerca de 60% dos casos de sífilis do país. Apesar da alta em Salvador, houve redução de 6,7% no número de novos diagnósticos em toda a Bahia.

“A sífilis é uma doença muito antiga e a gente está percebendo que ela é uma doença reemergente. Ela é curável, não é difícil de ser tratada, mas a gente está percebendo, no geral, que para todas as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), está havendo uma diminuição das práticas preventivas, há pouca adesão”, explica a chefe do setor de DST/Aids da SMS, Daniela Cardoso. Em outras palavras, as pessoas, sobretudo o público jovem, não têm usado camisinha.

Segundo Daniela, a doença tem fácil contágio. Se, por exemplo, existe uma chance de que a pessoa contraia o HIV durante o sexo anal sem camisinha, essa chance se multiplica por três para a sífilis. “Esse aumento no número de casos não é só na Bahia, nem em Salvador. Em 2019, em todo o Brasil, o aumento foi de mais de 28%. Em fevereiro, quando apresentou os dados, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, falou que, se a gente não tiver cuidado, a epidemia de sífilis vai passar a de Aids”, afirma Daniela.

De acordo com especialistas, há outras explicações possíveis para a alta no número de casos diagnosticados. Além da falta de prevenção, com o uso da camisinha, é grande o abandono do tratamento, embora ele seja simples, acessível, rápido e gratuito – está disponível em toda a rede pública de saúde.

Outra explicação pode estar no fato de que, entre 2016 e 2017, o Brasil enfrentou uma falta de penicilina benzatina – ou Benzetacil, medicamento de referência utilizado no tratamento. Não se pode deixar de lado, também, o aumento no número de testes feitos, o que também implica em mais diagnósticos.

Só no Carnaval, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) diagnosticou 17 novos casos de sífilis, enquanto a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) fez 42 diagnósticos durante a folia. A boa notícia é que, tanto na Bahia quanto na capital, o número de casos em gestantes caiu em 2019 com relação a 2018: em Salvador, a queda foi de 12,3% e na Bahia, de 15,4%.

Já os casos de sífilis congênita – que é passada da mãe para o bebê – sofreram queda de 39,7% em Salvador no ano passado. Nesta terça-feira (10), o Unicef e a prefeitura da capital lançaram, juntos, uma campanha pela prevenção e tratamento (leia mais abaixo). A meta do Ministério da Saúde é que a taxa de sífilis congênita não ultrapasse 9 casos para cada 100 mil. Mesmo com a queda no número de casos, segundo a SMS, a taxa de Salvador ainda é alta: 14 casos para cada 100 mil.
Em Salvador, a sífilis acomete mais mulheres do que homens. “O que se vê nos dados é que a população jovem está mais susceptível à sífilis, principalmente de 20 a 34 ou 35 anos. Aqui em Salvador, a gente tem o recorte de raça muito importante: as pessoas que se autodeclaram pardas e pretas são mais acometidas. No recorte de sexo, são mais mulheres e em relação à escolaridade, em Salvador, o recorte é a baixa escolaridade”, afirma Daniela Cardoso.

Além de serem mais acometidas pela doença, as mulheres sofrem com outro fator: a reinfecção.
Segundo ela, uma recomendação muito comum nestes casos é que os casais negociem e usem camisinha ao menos durante a gravidez, para não infectar o bebê. “Mas é claro que o ideal é que use sempre”, reforça.

A médica infectologista Jacy Andrade, professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), explica ainda que, muitas vezes, os casos se multiplicam porque as pessoas não sabem que têm a doença.

“A pessoa pode ter uma lesão que passa despercebida, porque não dói. Quando é no homem, é mais fácil de perceber porque a genitália masculina é externa. Quando é na mulher, a lesão acontece dentro da vagina, no colo do útero, então você não consegue ver. É mais difícil ela se autodiagnosticar. Aí o indivíduo passa pela primeira fase da doença sem sintomas, sem dor, e passa a bactéria adiante, infecta outras pessoas”, afirma.

Embora, num primeiro momento, a sífilis não provoque dor, a doença causa uma série de complicações: além de lesões na pele, pode provocar mal-estar, febre, cefaleia, perda da sobrancelha e até comprometimento do fígado. No caso da sífilis terciária, que pode aparecer até 30 anos depois da infecção, é possível haver comprometimento do sistema nervoso e cardiovascular, atrofia, meningite, paralisia e até demência.

Abandono do tratamento
O abandono do tratamento também tem feito crescer o número de casos. Em geral, a sífilis é tratada com injeções de Benzetacil durante três semanas – uma injeção semanal. O acompanhamento, no entanto, é mais prolongado, de pelo menos seis meses até que a pessoa seja considerada curada. Muita gente, entretanto, abandona o tratamento ou sequer começa.

“O tratamento é simples, é fácil, com antibiótico. Mas o acompanhamento dura pelo menos seis meses e isso demanda tempo, compromisso da pessoa. Então, a gente percebe que muitas pessoas abandonam, sim. E algumas não querem se submeter ao tratamento com a Benzetacil, reclamam que dói muito”, explica Daniela Cardoso, da SMS.

Francisca Maria Andrade, do Unicef, afirma que, de um modo geral, tratamentos com medicação injetável têm adesão mais difícil. Uma das alternativas que vem sendo cobrada pela Unicef é que a aplicação seja feita nas próprias unidades básicas de saúde. “Às vezes, o profissional sente receio de aplicar a medicação ali, numa unidade básica, mas a gente insiste para que eles tenham uma condição de aplicar nas unidades, para que o paciente não tenha que se deslocar para um hospital ou uma UPA e, aí sim, abandonar o tratamento”, defende.

Unicef e prefeitura lançam campanha por erradicação da sífilis congênita
Em 2019, 484 bebês nasceram em Salvador com sífilis congênita – quando a bactéria é passada de mãe para filho. O número de casos foi 39,7% menor do que aquele registrado em 2018, mas, mesmo assim, a taxa na capital baiana, de 14 para cada 100 mil, ainda está acima do desejável pelo Ministério da Saúde, que é de 9 casos para cada 100 mil. Nesta terça-feira (10), o Unicef e a Prefeitura de Salvador lançaram juntos uma campanha pela erradicação da sífilis congênita.

Embora haja cura para a doença, desde que identificada precocemente, ela pode trazer uma série de complicações para o bebê, desde as mais leves até as mais graves, levando até à morte. “A criança pode nascer prematura, pode ter defeito ósseo, pode ter alteração na retina, no sistema nervoso central”, explica a médica infectologista Jacy Andrade, professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Para a chefe do setor de DST/Aids da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Daniela Cardoso, há uma preocupação pela erradicação no Brasil inteiro. O país, inclusive, é signatário de compromissos internacionais pela eliminação da sífilis desde 1992.

“Se existe sífilis congênita, significa que a gente está tendo problema com a gestante no pré-natal, elas não estão sendo tratadas de forma correta. A doença é completamente curável e se ela é captada no tempo correto, a criança não precisa ter sífilis. Mas, a gente está tendo e não é só Salvador, não é só na Bahia, é no Brasil como um todo”, afirma Daniela.

Com a campanha lançada nesta terça-feira, a proposta é que as pessoas saibam que precisam e têm o direito de fazer o diagnóstico e tratar. “É o que a gente chama de ‘teste, trate, cure’. É importante ter certeza que curou, porque alguns pacientes fazem a testagem, mas não tratam”, afirma explica Francisca Maria Andrade, especialista em saúde e prevenção de ISTs do Unicef no Brasil.

No material a ser distribuído, há uma recomendação para que as mulheres façam o teste de sífilis assim que descobrirem a gravidez – e que levem seus parceiros, já que a reinfecção por conta da recusa do tratamento pelos homens é um dos principais problemas enfrentados. Outra recomendação é fazer o teste sempre que se expor a algum risco.

A campanha conta com duas frentes: a da prevenção, com distribuição de folders, cartazes, material para envio através do WhatsApp, vídeos e totens na Estação da Lapa para transmitir à população as informações sobre a necessidade do diagnóstico e tratamento. A segunda frente é voltada para os profissionais de saúde, que terão agora nas unidades um livro de acompanhamento da sífilis. A meta é que os casos não se percam e que sejam acompanhados pelo livro desde o diagnóstico até a cura.

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