Selo UNICEF garante “volta ao mapa” de município após ações bem-sucedidas em educação

Distante a pouco mais de 80 quilômetros da capital do estado maranhense, a população de Bequimão (MA) respira um pouco mais aliviada. Estimado em 21,2 mil habitantes e uma realidade ainda difícil para boa parte dos que vivem ali, o município saiu do zero rumo a uma história de superação para que as crianças e os adolescentes locais tivessem uma educação de qualidade.

A meta proposta foi trazer de volta 33 alunos desistentes para o ambiente escolar – eles conseguiram rematricular 44. “Foi um imenso desafio”, lembra o secretário de Cultura e Promoção da Igualdade Racial de Bequimão, Rodrigo Martins. Ele conta que assumiu a gestão há apenas seis meses, quando os bequimãoenses estavam com pontuação zero no Selo UNICEF.

Bequimão e outros 1.923 municípios do Semiárido e da Amazônia Legal toparam o desafio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para transformar a realidade de crianças e adolescentes que estão em situação vulnerável. Lançado há 20 anos, o Selo UNICEF convida as prefeituras a assumirem como prioridade o compromisso com a implantação de políticas públicas para esse público.

As ações são divididas em ciclos, que coincidem com as eleições municipais. O atual (2017-2020) tem como objetivo alcançar crianças e adolescentes excluídos das políticas públicas, melhorar a qualidade das já existentes para esse público, prevenir e enfrentar as formas extremas de violência contra eles e promover a participação da comunidade, especialmente de adolescentes.

O Selo propõe que a comunidade local trabalhe junta para garantir os direitos dos mais jovens com ações em áreas como educação, saúde e assistência social. Se conseguir, o município é certificado com um selo, que reconhece os esforços e avanços nessas áreas e atesta que aquele lugar coloca a infância e a juventude como prioridade.

“Nesses últimos meses, nós não só atingimos a meta como conseguimos ultrapassá-la”, orgulha-se Rodrigo, reconhecendo o empenho de toda a comunidade. “A gente nem aparecia no mapa. Hoje, estamos entre os melhores do estado”.

Exclusão escolar
Uma das metas propostas para conseguir o Selo UNICEF é identificar as causas de evasão e exclusão escolar. Hoje, quase dois milhões de crianças e adolescentes com idade escolar obrigatória (4 a 17 anos) estão fora das salas de aula no Brasil. Para que eles voltem a frequentá-las, é preciso fazer muito mais do que oferecer vagas nas escolas. A comunidade envolvida no trabalho precisa buscar esses jovens onde eles estiverem – e onde mais precisam.

“Onde algum direito não estiver chegando para esses meninos e meninas, nós trabalharemos para defender e assegurar que esses direitos sejam garantidos”, afirma a oficial de Educação do UNICEF no Brasil, Julia Ribeiro.

Uma das ferramentas utilizadas em Bequimão para trazer de volta os 44 alunos foi o Busca Ativa Escolar, uma plataforma que ajuda os gestores a identificar e enfrentar as situações de exclusão. Entre as causas mais comuns, estão o trabalho infantil, crianças e adolescentes com deficiências sem infraestrutura para chegar às escolas e a pobreza.

“Mais de 53% deles vivem em famílias com até meio salário mínimo. Certamente, outros direitos não estão sendo respeitados, não só o da educação”, lamenta Julia.

De acordo com o oficial de Educação do UNICEF para a Amazônia Legal, Angelo Damas, a região Norte, hoje, apresenta percentualmente o maior número de crianças fora da escola em relação à população. “Dentro do nosso programa de apoio aos municípios, o UNICEF já identificou mais de 15 causas que levam a essa exclusão”, diz.

Segundo dados do Censo Escolar, do Ministério da Educação, quase um milhão de pessoas em idade escolar abandonaram a escola em 2018. As regiões Norte e Nordeste ficam nas primeiras colocações nesse pódio. Nas séries iniciais, quase 35 mil crianças no Norte pararam de ir à escola, enquanto 59,9 mil no Nordeste deixaram de frequentar o local.

“Um dos maiores problemas da Amazônia Legal é o acesso das crianças à escola, devido às longas distâncias. Elas precisam de escolas próximas às suas residências, mas isso é só uma das causas da exclusão escolar”, afirma o oficial.

Adaptação
Para Angelo Damas, é preciso atrair esse público para o ambiente escolar, adaptando o ensino às necessidades deles e repensando as metodologias. “A gente trabalha com uma premissa de que toda criança aprende. E se a criança não está aprendendo, é preciso mudar as formas como a gente ensina.”

A especialista em Educação do UNICEF para o Semiárido, Verônica Bezerra, endossa o discurso. “Queremos compreender e ajudar os sistemas públicos a construírem uma escola que seja para todos e que a proposta escolar faça sentido para cada menino e menina que está na escola.” Para ela, uma escola “ideal” começa por amparar especialmente as crianças na primeira infância. “Educação é uma forma de proteção. Cuidar e educar são coisas que não podem estar apartadas. Na primeira infância, é onde tudo começa”, afirma.

Segundo relatos da especialista, ofertar vagas para crianças de até cinco anos de idade tem sido um imenso desafio. “Mas não são só vagas, é o que essa escola vai oferecer a essa criança. Nessa idade, ela precisa ser estimulada.”

Para Verônica, creches e pré-escolas são ambientes que vão muito além de dar banho, alimentar, trocar fralda. “É isso e muito mais. É preciso um ambiente que se responsabilize pelo estímulo e pelo direito da criança de brincar, de ter experiências diferentes, de propostas cognitivas que auxiliem esse percurso de descobertas tão natural nessa etapa – e essencial para tudo o que vem depois”.

Verônica lembra, ainda, que, por meio do Busca Ativa Escolar, os alunos podem ser matriculados nas escolas em qualquer período do ano, de janeiro a dezembro.

“Essa diretriz amplia a concepção de que as crianças e adolescentes não vão à escola apenas para passar de ano ou para cumprir um currículo. O ambiente escolar é mais que isso, deve ser um meio para que eles desenvolvam seus potenciais. Isso é válido em qualquer um dos 365 dias do ano”, ressalta a especialista.

Educação
O município que aderiu à proposta do Selo UNICEF também consegue cumprir uma agenda importante em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como parte do compromisso brasileiro para que suas metas sejam cumpridas até 2030.

Dentre esses objetivos, existem cinco que são obrigatórios para que alcance o Selo: viabilizar a volta às aulas; os direitos sexuais e reprodutivos; a valorização da primeira infância; a proteção contra a violência, em especial a redução dos homicídios, e a participação e mobilização de adolescentes.

Em relação à educação, a meta dos municípios é enfrentar a evasão, a exclusão escolar e a distorção idade-série. De acordo com informações do Censo Escolar, o Brasil “perdeu” quase 1,5 milhão de crianças na educação básica, em um período de quatro anos até 2018. Em outra pesquisa, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados mostram que se o País tivesse 100 pessoas com até 25 anos de idade, 40 não estariam em nenhuma instrução ou teriam apenas o fundamental incompleto.

A ideia para alcançar essa primeira meta é unir esforços em diferentes áreas para entender as causas que levam esse público a abandonar os estudos e viabilizar a matrícula e a permanência deles na escola.

Umas das ferramentas é o Busca Ativa Escolar, uma plataforma gratuita criada que ajuda a combater as causas que tiram crianças e adolescentes das escolas. A plataforma vem apoiar os governos na identificação, no registro, no controle e no acompanhamento de quem está fora da escola ou em risco de evasão. Por meio da Busca Ativa Escolar, municípios e estados terão dados concretos que possibilitarão planejar, desenvolver e implementar políticas públicas que contribuam para a inclusão escolar.

Tudo é feito pela internet e o gestor pode acessar a plataforma pelo celular (SMS ou smartphones), tablet ou computador. Para quem não tem acesso a dispositivos móveis, há formulários impressos disponibilizados por agentes comunitários e técnicos verificadores.

A ferramenta é uma parceria entre o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas).

Estratégias
Para tentar transformar o ambiente das escolas, O UNICEF e parceiros apoiam estratégias para que os jovens em idade escolar permaneçam estudando. Entre elas, está o “Fora da escola não pode”. Essa ação quer garantir que eles estejam na escola e aprendendo, a partir da conscientização de diversos atores responsáveis por essa inclusão. A plataforma Busca Ativa Escolar é uma das ferramentas para que isso ocorra.

Saiba mais sobre o “Fora da escola não pode”.

Já o “Trajetórias de Sucesso Escolar” trabalha para o enfrentamento da cultura de fracasso escolar no Brasil, como problemas com distorção idade-série, reprovação e abandono. Para combater esse problema, as ações são integradas e desenvolvidas em três níveis de gestão: redes, escola e sala de aula. A ideia é fazer com que crianças e adolescentes não só voltem para a escola, mas permaneçam estudando.

Saiba mais sobre o “Trajetórias de Sucesso Escolar”

O Selo
Implantado pela primeira vez em 1999, no Ceará, o Selo UNICEF já contabiliza 20 anos de história e de mudança na vida de milhões de crianças e de adolescentes em situação de vulnerabilidade no Semiárido e na Amazônia Legal. Atualmente, 18 estados são alcançados pela ação – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e norte de Minas Gerais, no Semiárido, e Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, na Amazônia Legal.

Com o sucesso das experiências, o Selo cresceu e, hoje, procura aplicar o aprendizado das edições anteriores aos participantes da atual. A metodologia foi unificada para o Semiárido e Amazônia Legal e introduziu o conceito de Resultados Sistêmicos no lugar de ações, visando dar sustentabilidade às iniciativas dos municípios e garantir que as crianças e adolescentes continuem sendo beneficiadas pelas políticas públicas implementadas mesmo após o fim do ciclo.

O Selo é dividido em ciclos, que coincidem com as eleições municipais. No atual ciclo (2017-2020), mais de 2,3 mil prefeituras, em 18 estados, estavam aptas a participar da edição. Dessas, 83% aderiram à ação – ou seja, 1.924, sendo 1.509 do Semiárido e 805 da Amazônia Legal. Cumprindo as metas propostas pela ação, o município recebe, após três anos, um selo que comprova e reconhece o esforço da comunidade envolvida.

No ciclo de 2017-2020, os municípios devem apresentar os resultados das ações desenvolvidas até 31 de março, por meio da plataforma Crescendo Juntos, no site do Selo UNICEF. A comprovação das atividades é feita por meio de documentos comprobatórios e anexados no portal. O envio pode ser feito pelo computador, celular ou tablet ou com auxílio de agentes comunitários, caso o município não tenha acesso à internet.

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