Palestrantes apontam dificuldades enfrentadas por mulheres encarceradas

A presença de crianças no sistema prisional foi o ponto mais preocupante debatido entre as palestrantes da Pauta Feminina sobre o encarceramento de mulheres, promovida nesta quinta-feira (29), no Plenário 3 da Câmara dos Deputados, como parte da programação da Câmara e do Senado para os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres.

A deputada Rosângela Gomes, presidiu o início do encontro e falou sobre suas observações feitas em visitas ao sistema prisional.

— Vi que a maioria das encarceradas são jovens e negras. No primeiro ano de minha legislatura fiz projeto de lei para construir creches e berçários nos presídios femininos — destacou.

Perfil
Susana Almeida, coordenadora de Políticas para Mulheres e Promoção das Diversidades do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), apresentou dados nacionais sobre a taxa de aprisionamento de mulheres.

— O Brasil é o quarto país no mundo que mais prende mulheres; 64% dos presos são negros e a maioria é muito jovem; 36.765 pessoas do sistema prisional estão em delegacias. Na delegacia, as pessoas não têm acesso a direitos básicos, como educação e banho de sol e ter mulheres tão jovens aprisionadas é muito impactante social e economicamente — disse.

Presídios masculinizados
No Brasil há poucos presídios femininos, apontaram as palestrantes. O que existe em geral são presídios masculinos com adaptação para receber mulheres.

— As mulheres “caem” mais, como dizem em jargão policial — disse Suzana, ao se referir ao crescimento do índice de aprisionamento de mulheres. Ela justificou que a necessidade de subsistência e a falta de alternativas para sustentar os filhos fazem com que elas aceitem convites para o tráfico.

As unidades chamadas mistas são, na verdade, unidades masculinas improvisadas para receber mulheres. O Depen não considera isso adequado. “Nessa formatação os homens têm mais acesso aos benefícios, porque são maioria. Se há trabalho e escola, os homens têm preferência”, apontou Susana.

Escuta
— O tratamento dado à mulher presa é masculino. No sistema, elas se transformam em “presos que menstruam”. Por isso a importância de ter unidades específicas — disse a professora Elen Geraldes, coordenadora do Projeto de Pesquisa “Ouvindo as Ouvidorias do Sistema Prisional”.

A solidão é um tema de reflexão do projeto porque as mulheres são aquelas que mais visitam, mas não são visitadas. Como as pessoas privadas de liberdade não têm acesso a papel nem caneta para escrever reclamações e muitas não sabem escrever, são as famílias que fazem as reclamações. Como as mulheres não recebem visitas, o desafio é possibilitar espaços de escuta.

Ouvidorias itinerantes que possam chegar às mulheres encarceradas foi uma alternativa apontada por Elen. “Sem a escuta não se pode haver políticas públicas eficazes”, defendeu.

Infância atrás das grades
70% das mulheres privadas de liberdade têm filhos. Muitas ainda sem condenação, apontam dados do Depen. De acordo com o Departamento, isso produz um impacto social muito grande sobre as famílias.

— É preciso ter um olhar prioritário para crianças com mães privadas de liberdade. Elas são estigmatizadas e há estudos que demonstram que essas crianças têm mais chances de delinquir — disse Susana.

Para ela, é preciso articular com outros órgãos para um atendimento mais efetivo das demandas dessa população, de modo a administrar, por exemplo, questões básicas como a falta de fraldas e absorventes.

— Mas a nossa política é pensar em alternativas para desencarcerar essas mulheres, porque deixá-las na prisão com os filhos é mais prejudicial para a sociedade. O nosso pleito é a diminuição de grávidas e lactantes no presídio. O ideal seria o judiciário, para evitar o aprisionamento, perguntar qual é a situação daquela mulher em julgamento, se tem filhos, se está grávida”, defendeu.

— Não podemos separar as crianças das mães. O desenvolvimento depende muito do contato materno. A prioridade é a criança. Então são fundamentais ações como o HC (habeas corpus) coletivo do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou no início do ano a soltura de gestantes e mães de filhos com até doze anos presas preventivamente— argumentou Susana.

Indultos
Para Susana, depois da liberdade, os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) devem fazer o máximo por essas mulheres e crianças, principalmente para viabilizar vagas em creches e trabalho e efetivar a proteção social.

— Em geral, as mulheres em situação de prisão são vistas como pessoas sem serventia. Na verdade, existem muitos talentos aprisionados que depois da saída se encontram no nível mais alto de vulnerabilidade. Como a massa carcerária é de maioria masculina eles são os que mais recebem indultos. Então lutamos e estamos sempre atentas para possibilitar por exemplo o acesso ao indulto de mães — disse.

Trabalho
A reinserção das mulheres no mercado de trabalho foi muito debatida no encontro. O projeto “Mulheres Livres”, do Depen, procura incluí-las com apoio de empresas parceiras. Já o projeto Pronatec Prisional vem sendo implementado na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (Colmeia) desde 2016.

Flávia Rabelo, gerente do programa Pronatec Prisional, explicou a experiência do projeto, de origem canadense. O objetivo do programa, também chamado “Mulheres Mil”, é oferecer capacitação às presas para depois da saída conseguirem reinserção no mercado de trabalho.

— Quando nossa equipe chega ao presídio, mudamos a rotina do lugar. Nosso primeiro desafio é convencer os servidores que o trabalho vale a pena — disse Flávia.

A oferta do programa era feita por meio de recursos do MEC, em 2017. Em 2018, passou a ser responsabilidade do Ministério da Justiça, com a mesma metodologia de ensino. Desde o início do projeto cinco turmas foram finalizadas e quatro estão em curso.

— A carga horária do curso é bem ampla para oferecer maior base de conhecimento para elas. Elas são apaixonadas pela matéria de ética, a partir disso começam a ter uma nova visão de mundo — disse a gerente.

Autonomia
Luana Euzébia, vice-diretora da Unidade de Internação de Santa Maria-DF, também falou do aspecto masculino da unidade. “Na saída, elas não têm estrutura familiar para recebê-las”, disse.

Ela falou de ações para incentivar a autonomia. O “dia da beleza” que pode parecer simples para algumas pessoas, tem um valor imensurável para elas. Já ações culturais, como o projeto Mulheres que Dançam com os Lobos, promovem o conhecimento delas sobre o próprio corpo.

— Que corpo encarcerado é esse e como ele será depois da liberdade? — questionou Luana.

Perspectiva
A vice-diretora disse que as duas coisas mais pedidas pelas meninas são maquiagem e emprego, por que elas tocam a vida sozinhas.

— Elas precisam ter perspectiva de vida. Só conversa não enche barriga. Por isso buscamos a articulação em rede e parcerias como o Inesc e Senai para promover a profissionalização — explicou Luana.

Para a vice-diretora, é fundamental trabalhar no socioeducativo para evitar que essas jovens cheguem ao sistema prisional.

— É urgente a criação de políticas de acompanhamento de egressas. A dependência afetiva é um grande problema. Elas saem carentes. Quem costuma acolhê-las é um adulto que vai reiniciá-las no tráfico e depois abandoná-las no cárcere — argumentou Luana.

Prisão domiciliar
Danielle Fermiano Gruneich, assessora parlamentar da Secretaria da Mulher presidiu parte do debate e falou sobre o esforço concentrado da bancada feminina da Câmara para conseguir aprovar projetos prioritários em sessão plenária no dia anterior.

Ela destacou a aprovação do PL 10.269/2018, de autoria da senadora Simone Tebet (PLS 64/2018) que substitui a prisão preventiva por prisão domiciliar para grávidas e mães de crianças de até 12 anos. O projeto transformou em lei a aplaudida iniciativa do habeas corpus coletivo concedido pelo STF e a iniciativa seguiu para sanção do presidente Michel Temer.

Sexo
“Como é tratada a questão da sexualidade nas unidades de internação? É feita a distribuição de camisinhas? ”, perguntou Iara Cordeiro, assessora da bancada feminina e ex-conselheira tutelar no Jardim Botânico-DF.

Segundo Luana, o assunto ainda é um tabu. Temos jovens que se relacionam entre si, mas “o sistema é machista e preconceituoso”. Então, até a forma de distribuir os preservativos constrange.

— Eles precisam pegar as camisinhas e voltam para cela que só tem meninos ou meninas, então ainda é um desafio abordar esse tema — considerou.

Reincidência
A pesquisadora francesa Veronique Durand trabalhou em presídio feminino e mencionou a diferença do perfil dos crimes praticados na França e no Brasil, no qual as mulheres são mais condenadas por tráfico de drogas. Ela perguntou como é tratada a questão da reincidência no Brasil.

— Quantos saem e quantos voltam? Observo que as meninas voltam menos que os meninos — disse Luana Euzébia, frisando que um dos grandes problemas é a falta de dados estatísticos para saber sobre reincidência.

Mulheres trans
A participante Talita Victor quis saber como é o aprisionamento das mulheres trans. “Como funciona o acesso à saúde e hormonização, por exemplo? ”, perguntou.

Susana Almeida disse que o Depen não tem dados sobre encarceramento LGBT. Já Luana relatou o caso de uma menina trans inicialmente levada a uma unidade masculina e que, depois de muita luta, foi transferida para a unidade feminina.

— Temos feitos um esforço para trazer palestras sobre diversidade de gênero. Em geral, meninos trans são mais aceitos. Muitas vezes, elas ainda são chamadas pelos nomes masculinos — relatou Luana.

A deputada Rosângela Gomes (PRB-RJ) parabenizou a iniciativa do programa Pronatec Prisional – Mulheres Mil e se colocou à disposição para colaborar no Legislativo para o bom funcionamento das engrenagens no sistema público funcionem de forma eficiente. Ela manifestou preocupação com as crianças presentes no presídio.

— Em visitas, vi crianças em celas com mulheres com tuberculose. É fundamental trabalhar na prevenção para que as mulheres não sejam presas. Possibilitar o acesso ao planejamento familiar e emprego para os jovens — finalizou.(Ag. Senado) Foto: Bárbara Peçanha

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