Empresários, sindicalistas e intelectuais articulam união para defender democracia e emprego

Empresários, sindicalistas e intelectuais propõem união em defesa da democracia, do emprego e da indústria e defendem resistência à judicialização da política e ao desmonte da Constituição, da CLT e da Previdência Social.

O seminário “A crise brasileira e as alternativas para sua superação” foi aberto pelo presidente do Conselho Superior da FESPSP, Angelo Del Vecchio, com palavras de agradecimento à presença de todos e à grande contribuição do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, na pessoa de seu presidente, Pedro Celestino, para a sua realização.

O Presidente do Conselho da FESPSP afirmou que a motivação da instituição para organizar a reunião tem raiz na própria fundação da Escola de Sociologia e Politica em 1934: pensar e agir para o desenvolvimento do Brasil.E como escola, local de ensino e pesquisa por onde passaram importantes pesquisadores e intelectuais brasileiros e do exterior, a instituição não pode viver apenas do passado, do ensino dos clássicos.

É preciso compreender o presente, influenciá-lo e envolver alunos e professores na discussão dos temas contemporâneos.
Para isto, nada melhor do que ouvir diversos atores que pensam e agem como os que estiveram presentes nesta reunião.
Entender a grave crise que o país vive e as alternativas para superá-la é nosso esforço, e esta reunião tem este endereço.
Uma reunião para melhor compreender este difícil momento da vida nacional, uma reunião para melhor preparar a ação.

A necessidade de somar esforços em defesa da democracia, do emprego e da indústria nacional foi reconhecida por todos os participantes do seminário “A crise brasileira e as alternativas para sua superação”, promovido pela Cátedra Celso Furtado da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).

O seminário aconteceu na última quarta-feira (22 de março) e reuniu 35 pessoas, entre intelectuais, acadêmicos, jornalistas, líderes empresariais e sindicais, que manifestaram preocupação sobre a urgência em oferecer resistência ao desmonte da Constituição, com a consequente perda de direitos dos trabalhadores e a redução das políticas sociais.

As preocupações se estenderam às medidas que vêm sendo implementadas pelo atual governo em favor da desnacionalização da economia e à necessidade de retomar o crescimento econômico sustentável, que deve ser impulsionado por investimentos públicos, uma adequada política cambial e forte redução das taxas de juros, condições consideradas indispensáveis para impulsionar a indústria e a retomada da geração de emprego e renda.

Na avaliação de todos os participantes, o Brasil precisa de um projeto capaz de retomar a industrialização, favorecendo os conteúdos locais, numa perspectiva de competitividade e não de subordinação no plano internacional.

Para Cesar Prata, vice-presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), a principal pergunta que deveria orientar a política cambial brasileira é a mesma que orienta a de países como Japão e Canadá: “Qual é o câmbio que gera empregos?” Ao invés disso, o Banco Central se pauta pelo uso do câmbio como controle da inflação. “Nós, da indústria de transformação, já representamos 30% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas pelo país em um ano) nos anos 80. Hoje são 12%. É um claro processo de desindustrialização”, disse Prata.

Na mesma direção interveio o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira; para ele o Brasil se encontra desde 1990 sob uma coalizão financeira-rentista que fortalece a dependência do país ao capital estrangeiro, o que tem levado o Brasil a uma “brutal desindustrialização”. De acordo com ele, é necessário ao país buscar sua inserção no mercado internacional, mas de forma competitiva e não numa perspectiva de subordinação econômica, como tem feito.

O economista Ladislau Dowbor, professor titular da PUC-SP, alertou para as altas taxas de juros para as empresas, que giram na casa dos 29% ao ano. “Não é uma questão de ajuste fiscal, é uma questão de reforma financeira. O sistema financeiro está drenando a economia”.

Na mesma direção, o economista Pedro Paulo Bastos, da Unicamp, disse que “o sistema bancário deve ser um instrumento do desenvolvimento por meio do financiamento do investimento de longo prazo, a juros baixos. E não um setor rentista, pesado, semimonopolista, que extrai juros absurdos em operações de curto prazo, retirando muito mais da sociedade do que entrega para ela”.

Já, o economista Antonio Correa de Lacerda, professor da PUC-SP, além de reforçar a deletéria politica de juros elevados praticada pelo Banco Central e pelo sistema bancário, atentou para o diversionismo dos que tentam vender para a sociedade a ideia de que o Estado deve ter seu Orçamento gerido como um orçamento doméstico, na justificativa da contenção do gasto público, desconsiderando o papel do Estado, sua capacidade de emissão, de captação de recursos, de definir taxas e tributos.

O jornalista Franklin Martins apontou eixos de ação que devem ser priorizados, a curto prazo, no combate à crise: retomada do programa Minha Casa Minha Vida, criação de um amplo programa de financiamento voltado para os transportes públicos nas grandes cidades, universalização da banda larga, redução da taxa de juros e manutenção de uma taxa de câmbio que torne as exportações brasileiras competitivas, seguindo a linha das sugestões do professor Bresser-Pereira.

O contra-almirante e engenheiro naval da Marinha Brasileira Alan Paes Leme Arthou, membro da Academia Nacional de Engenharia, alertou que “a indústria é o suporte da economia”, ainda que atualmente represente cerca de 30% do PIB. Paes Leme também apontou a necessidade de se repensar a crítica à dita “baixa produtividade” da indústria brasileira. De acordo com ele, o Brasil ocupa apenas o 81º lugar no ranking mundial de produtividade, ainda que, em média, cada trabalhador brasileiro no setor industrial produza 125 mil dólares ao ano, valores superiores aos produzidos em média pelos trabalhadores da Alemanha e da Suíça. Afirmou também ser necessário ao país a criação de “clusters” empresariais (agrupamentos de empresas de um mesmo setor, de modo a facilitar o assentamento da cadeia produtiva em uma determinada região), além de estabelecer um projeto capaz de incentivar novas empresas. E citou o caso dos EUA, que, ao perceber o iminente esgotamento da indústria militar, criou o programa espacial, capaz de gerar desenvolvimento e conhecimento.

O físico e pesquisador Ennio Candotti, ex-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), chamou atenção para a importância da Amazônia, não apenas como reserva ambiental, mas também por suas potencialidades para a economia brasileira. Candotti destacou ainda a necessidade de incorporar novos atores na luta pela retomada do crescimento econômico pele definição dos rumos do pais: os jovens, as mulheres e os diversos movimentos sociais.

As reformas trabalhista e da previdência, propostas pelo governo, foram criticadas pelos sindicalistas João Antônio de Moraes, diretor da FUP (Federação Única dos Petroleiros), ligada à CUT, e Rodrigo de Moraes, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ligado à Força Sindical, ganhando o apoio dos demais presentes no seminário, entre eles Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), que também manifestou preocupação com a necessidade de se construir unidade do mundo do trabalho e empresarial para a reconstrução de um projeto de nação, conceito afirmado pelo cientista político Manuel Domingos, da Universidade Federal do Ceará.

O engenheiro Saturnino Braga, ex-senador e ex-prefeito do Rio de Janeiro, e o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães enfocaram os aspectos políticos da crise, salientando que o grupo que assumiu o poder com a deposição de Dilma Roussef tem como orientação um projeto que colide com os interesses dos trabalhadores, é antidemocrático e não tem característica nacional ou desenvolvimentista.

Na mesma direção, o jornalista e professor Roberto Amaral, ex-presidente do PSB, também considera que “a crise tem origem política e a saída é política”. De acordo com ele, a crise, originalmente política, caminha para ser também institucional. “Penso que a questão fundamental é a defesa da democracia”.

Na avaliação de vários dos presentes, o que é caro no Brasil não é custo do trabalho, mas do capital, pelo predomínio do rentismo, há décadas na direção da economia e de maneira ainda mais exacerbada no atual governo, que ascendeu após a deposição de uma presidente legitimamente eleita.

O professor Gilberto Bercovicci, da Faculdade de Direito da USP, denunciou o surgimento de estruturas integradas por pessoas que não são eleitas, mas que nelas ingressam por concurso público e disputam o controle das políticas de Estado, com implicações negativas na economia, na política e nos próprios direitos individuais e coletivos dos cidadãos brasileiros. É o caso do próprio Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais de contas e da Polícia Federal, órgãos que têm suas ações facilitadas pelo desgaste da imagem dos Poderes Executivo e Legislativo, eleitos pelo voto direto. De acordo com ele, é impossível retomar qualquer projeto de desenvolvimento sem reestabelecer o papel desses órgãos e de estabelecer um adequado e democrático ordenamento do papel dos meios de comunicação, que funcionam sob concessão pública.

Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, lembrou que o desenvolvimento brasileiro é recente e sempre foi impulsionado por políticas de Estado. Como exemplos, ele citou a criação do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento), atual BNDES, no segundo governo Getúlio Vargas, em 1952, e a instituição do Programa de Nacionalização de Componentes de Veículos, no governo de Juscelino Kubitschek. “Tínhamos 400 quilômetros de rodovias pavimentadas antes de JK, 14.000 quilômetros imediatamente após JK, e atualmente são 200.000 quilômetros.” De acordo com Pedro Celestino, “em 1954 éramos a 57ª economia do mundo, hoje somos das dez maiores”. O presidente do Clube de Engenharia chamou atenção para a luta pela implantação de medidas de curto prazo com vistas à retomada da economia, bem como para a necessidade de barrar as medidas que vêm sendo implementadas pelo atual governo, entre elas a de eliminar ou a obrigatoriedade de conteúdo nacional, da forma como tem ocorrido na indústria naval e na de petróleo, entre outras.

O geólogo Guilherme Estrella, ex-diretor de Explorações da Petrobrás e líder da equipe que descobriu as reservas de óleo no pré-sal, denunciou o desmonte da estatal pelo atual governo, como, por exemplo, a venda da rede de gasodutos, “de Uruguaiana (RS) a Fortaleza (CE)”. De acordo com ele, o governo tem operado com a lógica de que o petróleo é uma commodity, quando, na verdade, o petróleo é um tema geopolítico mundial e é fundamental para a garantia da segurança energética brasileira.

As intervenções foram permeadas por um sentimento de que a democracia está sob ataque e precisa ser garantida. Na análise de todos os participantes do seminário da FESPSP, fora do ambiente democrático, o cenário econômico continuará sendo de incertezas, e a retomada da industrialização do país seguirá estancada, ampliando o desemprego.

Além de possibilitar a troca de impressões, a reunião deu início a um processo de elaboração de propostas de ação, por parte das lideranças, entidades e instituições presentes, que manifestaram forte interesse no aprofundamento dos debates iniciados com o seminário, coordenado pelo professor Angelo Del Vecchio, presidente do Conselho Superior da FESPSP, e pelo economista e professor William Nozaki, coordenador da Cátedra Celso Furtado.

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