Mais de um terço dos trabalhadores não conseguirá se aposentar, dizem participantes de audiência

Se for aprovada a reforma a Previdência proposta pelo governo Temer, que determina tempo mínimo de contribuição de 25 anos e elevação da idade para acesso ao benefício para 65 anos, 35% dos trabalhadores não conseguirão se aposentar, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apresentados nesta segunda-feira (17) em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) para debater o tema.

De acordo com os convidados para a audiência pública, a reforma da Previdência, que tramita na Câmara como Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, provocará retrocessos sociais graves. O cenário traçado foi de intensificação das desigualdades sociais e da pobreza extrema, principalmente entre os idosos, caso o texto seja aprovado como proposto. Por isso, eles se posicionaram contra a PEC e pediram que os cidadãos cobrem de seus deputados e senadores a rejeição da proposta, que ampliaria o fosso entre os mais ricos e mais pobres, entre o trabalhador urbano e o rural e entre homens e mulheres.

Benefício da Prestação Continuada

Luciana Jaccoud, pesquisadora do Ipea, apresentou estudos segundo os quais as regras propostas foram aplicadas aos aposentados de 2014. Nas aposentadorias por idade, aos 65 e 60 anos, a média de contribuição dos homens é de 21 anos e das mulheres, 18. Entre eles, 35,5% não contribuiriam tempo suficiente, e as mulheres, mesmo trabalhando mais cinco anos, 44% não alcançariam o tempo mínimo exigido. A mudança afeta em cheio os trabalhadores de menor renda e mais baixa escolaridade, os que mais precisam da proteção do Estado, frisou a pesquisadora.

Para o Benefício da Prestação Continuada (BPC), o texto do governo impõe a elevação da idade mínima de acesso, de 65 para 70 anos, e a sua desvinculação do salário mínimo, o que sinaliza a redução do valor com o passar dos anos, ou da imposição das regras de reajuste por lei ordinária ou medida provisória, como explicou Luiz Alberto dos Santos, consultor legislativo do Senado. Pelos números do Ipea, regras mais rígidas para o acesso ao BPC resultariam numa desproteção estimada de 29% dos idosos, num cenário de dificuldades de inserção deles no mercado de trabalho, ainda mais difícil para os menos qualificados.

Cuidadores dos idosos

A expectativa de sobrevida desse grupo, de extrema vulnerabilidade social, é ainda menor, disse Luciana Jaccoud. A idade média da concessão do BPC é de 66,5 anos, com duração média de 7,9 anos e não os 18,3 anos apontados pelo Executivo de forma geral. Em média, a renda proveniente do BPC é de 79% do orçamento dessas famílias e, em 47% dos casos, trata-se da única renda da família, afetada pela retirada de um adulto apto a trabalhar, quase sempre uma mulher, que cuida do deficiente ou idoso, salientou.

— A proposta de reforma enfraquece a Seguridade Social em sua capacidade protetiva, no impacto distributivo e na garantia de condições dignas de vida a pessoas com deficiência e idosos. Vai ampliar o contingente de trabalhadores sem proteção na velhice, reduzirá o valor do BPC com impacto negativo nas condições de vida das pessoas com deficiência e idosos beneficiários e vai ampliar o número de demandantes da Assistência Social, a vulnerabilidade entre idosos e pessoas com deficiência e a pobreza e a desigualdade do país — lamentou Luciana Jaccoud.

Juros

Para Floriano Martins, representante da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), o BPC está em risco por que cresceu 43% de 2009 a 2015, a um custo de R$ 49 bilhões anuais, e a “elite não se conforma que se tenham feito políticas públicas de inclusão com orçamentos definidos”.

— Um ano de pagamento de juros aos bancos e banqueiros daria para pagar 30 anos de BPC. Essa é a conta que precisa ser perguntada. Quem é o beneficiário desses pagamentos? Do BPC, 4,2 milhões de pessoas. E do outro lado? Ninguém sabe — afirmou.

Ele afirmou que o orçamento da Seguridade Social — que inclui Saúde, Previdência e Assistência Social — é sustentável, e acumulou recursos de sobra por 10 anos, da ordem de R$ 500 bilhões, gastos em finalidades distintas. Floriano Martins disse ainda que a proteção social é garantida pela Constituição e que há uma intenção oculta na modificação à Previdência: a de privatizá-la. Ele condenou a propaganda governamental, que procura jogar a sociedade contra os funcionários públicos “cheios de privilégios”, lembrando que hoje eles já entram no sistema com expectativa de aposentadoria igual à da iniciativa privada.

Pessoas com deficiência

Os representantes do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e o da Pessoa com Deficiência (Conade) também criticaram a PEC. Fábio Moassab Bruni, presidente do CNAS, apontou retrocessos na assistência à população de baixa renda. Ele sublinhou que, no caso do BPC, que beneficia idosos e pessoas com deficiência, o governo propõe um texto mais rígido somente para os idosos. A estratégia, em sua opinião, faz parte de uma “lógica de dividir os grupos sociais”.

— Me preocupa a flexibilização para pessoas com deficiência e para os idosos,não. Seria um BPC plus e outro não plus, e não podemos operar o mesmo beneficio com duas lógicas distintas — argumentou.

Já Moises Bauer, do Conade, considerou um equívoco propor a desvinculação do BPC do valor do salário mínimo, e frisou que, em vez de tirar direitos das pessoas com deficiência, o Brasil deveria pensar em políticas de natureza compensatória, em face das dificuldades enfrentadas para a integração à sociedade com as dificuldades geradas pelas deficiências.

Presidida pela senadora Regina Sousa (PT-PI), a CDH realizou a audiência pública atendendo a requerimento do senador Paulo Paim (PT-RS).(Ag. Senado) Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

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